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Arlequins, pierrôs e colombinas
O Carnaval no estilo commedia dell’ arte em Friburgo
O Carnaval de Nova Friburgo demarcava posições sociais e estabelecia territórios, fazendo emergir no mesmo tempo e espaço, realidades distintas e comportamentos bem diversos. Enquanto a elite friburguense buscava o estilo europeizado, inspirada na commedia dell´arte, o Zé-Povinho ainda trazia resquícios da festa colonial com seu retumbante Zé-Pereira e os entrudos moleques que chocavam os arautos da civilidade. Mas por que Carnaval no estilo commedia dell´arte? O casamento de d.Pedro II com d.Tereza Cristina, irmã do rei das Duas Sicílias, traz de Nápoles e outras cidades ao Brasil, músicos e cantores italianos. As óperas italianas eram uma verdadeira coqueluche na Corte. Mas em que momento o Carnaval se mistura com a ópera? Tudo começou em meados de 1840, quando uma trupe italiana, falida, resolveu se virar e organizou no Teatro São Januário um carnaval no estilo veneziano de máscaras. A partir de então, figuras carnavalescas da commedia dell´arte italiana como o pierrô, o arlequim e a colombina incorporam-se ao carnaval brasileiro. Nos salões de Carnaval da Nova Friburgo fin-de-siècle, os bailes à fantasia causavam verdadeiro frisson entre os veranistas e os cortesãos friburguenses, incansáveis por representarem, nas montanhas, o clima e a atmosfera dos bailes venezianos, tão em moda naquela época. Porém, nos restritos bailes de Carnaval da elite friburguense, como os do Hotel Central, Salusse e D. Eugênia, a vigilância nos salões era sistemática. Nestas soirèes carnavalescas, os organizadores temendo que a canalha da cidade se infiltrasse entre “pessoas gradas da sociedade friburguense”, nomeavam uma comissão especial de cavalheiros para incumbir-se de identificar, na porta da entrada, os convidados que se apresentavam mascarados, já que a graça do Carnaval da época era o anonimato. Nos Carnavais de Nova Friburgo eram frequentadores habituès o conde e a condessa de Nova Friburgo, o barão e a baronesa de São Clemente, o barão e a baronesa de Duas Barras, a família do notório político Rui Barbosa, entre outros. Nos salões a iluminação era feita com acuidade para destacar as ricas ornamentações feitas com folhagens, flores, bandeirolas, lanternas, escudos com máscaras, tudo feito para dar ao local uma atmosfera do Carnaval veneziano. O baile carnavalesco era dividido em duas partes: antes e depois da meia-noite. Na primeira parte, brincadeiras de dominós que circulavam anônimos e silenciosos e cavalheiros fantasiados sob máscaras de cetim, que com voz em falsete, teciam ditos espirituosos e proferiam intrigas carnavalescamente inofensivas. E a pergunta que não cessavam de fazer: “Você me conhece?” O grande frisson era descobrir quem se encontrava por detrás das fantasias. Em todos os bailes da cidade, mesmo nos populares, era norma que até a meia-noite os convidados conservassem a fantasia e a máscara, mantendo o anonimato. Na segunda parte, depois da meia-noite, dançavam com o espocar das garrafas de champanhe quadrilhas, valsas, tangos, mazurcas, polcas e o schottisch, este último abrasileirado e conhecido como xote. A partir de 1870, aparece o maxixe, que Ernesto Nazareth chamará de “tango brasileiro”. Entre os cavalheiros predominava o dominó e fantasias como chevalier fin-de-siècle, egípcio, astrônomo, pescador napolitano, jockey, folie, turco e clown. Já senhoras e senhoritas vestiam-se de coquellicot, paysanne coquette, cordon bleu, arlequine, charlotte corday, mercière, vendeuse de fleurs, bebé, napolitana, moyen âge, bonquetière, papoula rubra, trovadora, dominó, santuzza da ópera de Mascagni, miosótis, jardim, camponesa suíça, arlequim e cigana. Em Nova Friburgo, muitas famílias da elite promoviam durante o Carnaval soirées privadas em suas residências, ocorrendo geralmente na segunda-feira, isto porque os bailes nos salões dos hotéis se realizavam no domingo e na terça-feira. Os nobres foliões apesar dos ardores na noite anterior não deixavam de atender a estes convites. Havia entre eles o seguinte jargão: “enquanto descança-se...folga-se”. Enquanto descansavam dos bailes do domingo gordo e da terça-feira, “folgava-se” nas residências dos anfitriões com baile à fantasia, verdadeiro pendant dos hotéis. Conforme um cronista da época, “parecia que se vivia em um mundo à parte, aonde não chegavam os ecos e clamores do mundo contingente: longe da carestia dos gêneros, longe dos maus criados e longe do piano da vizinha”.
Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX.
mjbotelho@globo.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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