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OS RAPAZES DO H.T. – UM FRUTO PROIBIDO
O apartamento da tia Maria é um túnel do tempo. O mobiliário de jacarandá é uma verdadeira preciosidade. As fotografias na parede mostram que tudo ali é passado e que o presente é algo secundário. É realmente impossível entrar no apartamento da tia Maria e não viver aquela época. Na hora do chá, entre os acepipes, as doces memórias da Friburgo dos anos quarenta, do século XX: “Toda donzela tem um pai que é uma fera, assim éramos nós.” Esta frase foi seguida com uma gostosa conversa sobre a moral e o comportamento daquela época. Um tempo em que as moças somente saíam acompanhadas pelos irmãos ou de uma figura masculina, “fazendo a cobertura”.
O local de sociabilidade da elite em Friburgo era a Praça Getúlio Vargas. As moças caminhavam de um lado a outro, de braços dados, até dar a hora do cinema. Somente poderiam ficar na primeira alameda da praça. A primeira alameda tinha como princípio a Igreja Matriz e final na Rua Monsenhor Miranda, em frente ao antigo fórum. Era-lhes proibido, nesta linha imaginária, passar para a segunda alameda. E por quê? Porque esta era a dos rapazes e a partir dali a praça ficava mais escura, com menos movimento e destinada aos casais que namoravam e ficavam mais ‘à vontade’. Somente as mais atrevidas e fogosas ultrapassavam este limite da moralidade. Como disse, o passeio era flanar na praça e depois ir ao cinema Leal. O cinema Leal era na Rua Augusto Spinelli, onde era o outrora Teatro D. Eugênia. O cinema tinha sessões todos os dias às 19h, mas às quartas-feiras tinha a sessão chic, porque cobrava somente meia entrada das mulheres. Tinham que estar em casa às 21h, até o último apito do trem. O horário do trem regia suas vidas.
Nas andanças pela praça, os lindos rapazes do H.T. Denominavam-se assim os marinheiros e fuzileiros, de rapazes do H.T., ou seja, do hospital dos tuberculosos. Friburgo, sempre teve uma representação de cidade saúde e por isso abrigou o Sanatório Naval. Inicialmente curava-se ali o beribéri, mas depois se destinou, exclusivamente, para tratamento da tuberculose de oficiais da Marinha. O Sanatório Naval foi originariamente o pavilhão de caça da família Clemente Pinto, o barão de Nova Friburgo. Proibiam-se as moças de flertarem com os rapazes do H.T., apesar de muitas delas terem tuberculosos na família. Era uma doença muito comum à época. Perguntadas se os rapazes do H.T. eram muito bonitos, responderam em uníssono: “só tinha rapazes bonitos”. Muitos fugiam do Sanatório, mas os mais saudáveis eram autorizados a vir ao centro da cidade passear, sendo conduzidos em um ônibus que ficava estacionado em frete ao Colégio Ribeiro de Almeida, sob dois fícus que se entrelaçavam. Os marinheiros portavam roupa azul e branca e já os fuzileiros navais um traje vermelho. Mas apesar da proibição muitas moças se casaram com os rapazes do H.T.
Mesmo nos locais mais respeitosos, a exemplo da Confeitaria Serrana e a Sorveteria Única, uma mulher casada ou moça solteira nunca poderia ficar sem uma companhia masculina. Não era de bom-tom, ainda que fossem várias mulheres em grupo. Quanto ao namoro, não havia diálogo entre mães e filhas, mas a mães sempre alertavam: “Não vai se desmoralizar com estes moleques.” A troca de olhares cruzados com um rapaz nas andanças pela praça já era um compromisso de namoro. O namoro daquela época era somente sentar no banco da praça e nem poderiam dar as mãos. Se o rapaz tentasse um beijo, era uma ofensa. Beijar, somente depois de noivas ou casadas! Algumas achavam que beijar na boca poderia engravidar, mas as mais instruídas tinham mais informação. Antes de casar, nenhuma orientação. As informações sobre sexo vinham das colegas e o aprendizado sexual vinha com os maridos. O que ocorria quando uma moça engravidava? Muito grave, pior do que morte para os pais. Eram muito discriminadas e a ‘sociedade não perdoava’. As moças não poderiam mais se aproximar das ‘perdidas’. Algumas casavam, mas o mais comum era o aborto. Não vou concluir porque esta deliciosa conversa ainda renderá outras boas colunas onde falarei sobre espaços de sociabilidades, educação e outras histórias. Fonte: Entrevista com: Maria Corrêa de Souza, Maria Luiza Braune, Leyla Melo e Nelie da Costa.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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