Ana Borges
A "receita” desta primeira edição do Light de 2015, excepcionalmente, não está na coluna de gastronomia, porque não é exatamente de comer, no sentido de alimentar o corpo. Aliás, invertemos a ordem das coisas para sair do óbvio, que combina mais com o início de um novo ano, essa coisa desconhecida que nos deixa cheios de expectativas. O Chico Figueiredo, talvez em fase de jejum depois das comilanças de Natal e Réveillon, caminhando pela orla carioca, afundado em pensamentos, deu de cara com Drummond, e, despertado de si mesmo, devolveu a pergunta: "e agora, José?” Assim sendo, aproveitamos o "encontro” e nos lembramos da receita de ano novo do poeta. Uma boa pedida, né não? Nada melhor do que começar 2015 leve, livre e solto, esperançoso e acreditando que tudo vale a pena, se... Então, vamos a uma degustação mental que nos leve à uma boa reflexão.
Receita de Ano Novo
Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
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