Laíse Ventura foi (é) professora desde menina. Aliás, segundo suas próprias palavras, "já nasci professora”. É assim que Laíse Ventura, 79 anos, se define logo no início de nosso encontro. Com todas as dificuldades que enfrentou ao longo de décadas de dedicação, ela não hesita antes de afirmar: "Não posso imaginar outra profissão mais gratificante do que esta”.
De tradicional família de professores de Nova Friburgo, Laíse começou a trabalhar aos 16 anos, na secretaria do então Ginásio Municipal Rui Barbosa (hoje Ceje). Um dia, o diretor (o professor e advogado Humberto El-Jaick que assumira o cargo em substituição ao falecido irmão Jamil El-Jaick) convocou-a para dar aula no lugar de um professor que havia faltado. Não parou mais de dar aulas. "Não quis voltar para a secretaria de jeito nenhum!”, relembra, assim como ficou só um ano como auxiliar de direção do Colégio Canadá, quando ainda fazia faculdade, porque queria mesmo era dar aula.
Sua mãe, a professora D. Lurdes, também dava aula particular em casa. No início, tinha três alunos; depois, a turma foi aumentando e ela convidou a filha — que já ficava rondando os alunos na sala de sua casa, observando a mãe — para ajudar. "Eu tinha uns 12 anos quando a minha mãe me perguntou se eu queria ajudar. Ora, eu já brincava de dar aula para as minhas bonecas, então aceitei, com o maior orgulho. Só que ali era a sério, não estava brincando com as minhas bonecas. Minha mãe era exigente. E assim, em casa, digamos, comecei a minha carreira. E ela até me pagava, era a semanada”, recorda, rindo.
E de supetão, completa: "Ah, tenho uma neta, a Sônia (filha de sua filha professora, Gilse), que está cursando Educação Física. Só que, quando fez vestibular, colocou esse curso como 3ª opção e na época ela nem sabia por que. No entanto, ela resolveu ser professora. Já está dando aulas de natação, completamente apaixonada pela profissão. Seus olhos brilham quando fala da evolução de seus alunos. Quer dizer, isso está mesmo no nosso gene, passa de geração para geração”, conta, orgulhosa.
Não há como não reconhecer: os Ventura — inclusive, o primo, o escritor Zuenir — têm uma vocação inata para o magistério, e pelas letras, em particular. Sônia representa a 4ª geração da família nesta sagrada missão.
"A gente se apaixona”
Ela se realizou como professora. Mas não esquece o quanto era preciso se dedicar para dar cumprimento a todas as tarefas, principalmente o planejamento da aula seguinte, a correção dos deveres de casa e das provas. "Meu marido é testemunha das noites em que eu só conseguia terminar o trabalho lá pelas duas horas da madrugada. Se você é responsável e leva sua profissão a sério, não tem como fazer diferente. E aí você acaba abrindo mão de certos cuidados com a família, com a casa, consigo mesmo. Esquece que você também precisa de cuidados, de atenção”, diz.
Aos 18 anos, então formada, Laíse começou como professora-substituta em várias escolas, até que chegou à condição de extra-numerária, em 1958, dando aula no Colégio Ribeiro de Almeida, para logo em seguida ser efetivada. "Em toda minha vida só trabalhei em escola pública. Comecei com uma, mas depois, mesmo com seis filhos, fui acumulando, e passei a dar aulas em outras escolas também. Quando a gente começa a entrar no ritmo, é difícil parar. A gente se apaixona e é pra sempre”, declara-se, Laíse.
Mas Laíse queria mais. Ter uma penca de filhos, uma casa para cuidar e duas escolas para trabalhar, não a impediram de fazer a faculdade de Pedagogia. Aliás, ela é assim, tipo ‘espoleta’ até hoje. Não para, é agitada; não anda, marcha. Tudo a ver com sua disposição para viver as dores e delícias do magistério. Fosse qual fosse o momento que estivesse vivendo, bom ou ruim, ela nunca desanimou, jamais cogitou mudar de profissão. Como já declarou, "é pra sempre”. E foi. Quase meio século, precisamente 46 anos ensinando: desde pequeninas mãos a segurar o lápis pela primeira vez; a didática e psicologia para normalistas; a adolescentes resistentes diante da disciplina na qual se especializou: matemática.
O presidente e o motorista
Pois é, numa família de jornalistas e escritores, Laíse vê o mundo através de números. Aquela disciplina que a gente se acostumou a amar ou odiar. Para a qual se tem facilidade ou dificuldade, aliás, muita dificuldade, dizem as más línguas. Ela, no entanto, garante que é tudo fruto de boca a boca maledicente. "A grande maioria dos meus alunos, que torcia o nariz para a matéria, acabou se rendendo e reconhecendo que não era assim como falavam. E eu tinha um jeito de conduzir a aula, atrair o aluno de uma forma que ele acabava descobrindo que ‘adorava’ matemática. Era muito engraçado”, conta, rindo.
Entre incontáveis histórias lembradas por Laíse, nesta conversa permeada de lembranças, como os encontros com antigos alunos, hoje pais e mães, que a reconhecem nas ruas e fazem questão de cumprimentá-la, apresentá-la aos seus acompanhantes, mostrar seus filhos, ela lembra com respeito a diretora do Colégio Canadá, Nisa Sampaio, que assim respondia a qualquer professor que reclamasse do desinteresse de um ou outro aluno: "Prestem atenção: nossos alunos têm que ser preparados para serem presidentes da República. É com este olhar que eu quero que vocês se dirijam a eles”.
E Laíse completa: "Era bonita a forma como ela dizia isso e estava certíssima. Os professores entendiam o recado e voltavam para as salas, imbuídos desse sentimento, embora a grande maioria deles sonhasse em ser motorista de ônibus”, conta, e então, rimos da singeleza dos sonhos daqueles jovens. Como não acreditar nos professores quando falam com extrema emoção de sua profissão? Para melhor entender o significado desse trabalho, leiam o artigo da professora Selma Ferro, nesta edição, na página 4, intitulado "Educação: desafios e beleza de uma profissão”. Caros leitores continuem lendo o Light. Vale a pena!
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