Natalia Amendola
Ouvimos falar sobre dor e sofrimento, seja no consultório ou no cotidiano. Tal incidência nos leva ao seguinte questionamento: a quê podemos atribuir tantas queixas?
Na clínica contemporânea assistimos, sobretudo, a sentimentos de insuficiência, de vergonha, de paralisação e de vazio; a isso se acrescenta a exacerbada experiência de desamparo vivenciada pelos sujeitos, relacionada à constituição do eu, que pode incluir uma fragilidade narcísica.
Identificamos formas de experiência psíquica que se apresentam como uma espécie de depressão do vazio: perda da vitalidade e esvaziamento subjetivo. Podemos dizer que o sujeito atualmente seria mais traumatizado do que neurótico, o que o faz dotado de uma identidade bastante fluida e perfeitamente governável do ponto de vista farmacêutico.
Com efeito, perturbações como síndrome do pânico, doenças psicossomáticas, crises de ansiedade e depressões evidenciam que uma marca das patologias atuais seria a extrema dificuldade apresentada pelos sujeitos ao terem que lidar com situações que causam sofrimento.
As experiências traumáticas se apresentam como uma possibilidade sempre presente, indicando que o desamparo é inerente ao psiquismo. A dor, segundo essa hipótese, é a expressão de um trauma que não foi elaborado psiquicamente, existe um sentido de urgência, uma ferida aberta pedindo por sutura. Dessa forma, entra em cena o trabalho de cicatrizar a ferida, convocando a pessoa a falar sobre aquilo que vivenciou, para que assim seja possível um destino ao evento que provocou a situação dolorosa. Vai depender da capacidade do sujeito em fornecer sentidos à experiência, podendo a dor permanecer como uma vivência traumática ou ser dissolvida.
A dor estaria associada a uma impossibilidade de falar sobre o sofrimento. Constitui-se a condição de impedimento: de amar, de se relacionar, de criar, de viver...
Observamos uma espécie de ‘melancolização’ dos sujeitos, indicando o predomínio da dor nas queixas do consultório. Contudo, diante dessa problemática, quais recursos mobilizar para transformar dor e sofrimento?
Na vivência de dor não há espaço para o outro, constitui-se uma relação solitária e pouco simbólica. Tal contexto indica que seria por meio de mediadores que a fala poderia se consolidar como possibilidade para a elaboração; caso contrário, a dor não seria endereçada ao outro como apelo.
Desta forma, destacamos a importância do trabalho realizado na terapia, que consiste na nominação e no estabelecimento de ideias em cadeias associativas, ligando os elementos do discurso num esforço de construir sentidos. Assim, se faz possível dirigir um apelo e uma demanda, condições fundamentais para o início de um processo terapêutico. É justamente o reconhecimento de uma falha na autossuficiência que permite a abertura de um íntimo para uma interlocução. Podemos afirmar que não há como acessar a dimensão dolorosa e subjetiva de um sujeito, senão pela palavra.
Para transformar a dor o caminho seria permitir-se, num ambiente terapêutico confiável e acolhedor, tomar a palavra e falar sobre aquilo que lhe afeta. Nesse sentido, a presença do terapeuta torna-se fundamental, sobretudo, com a finalidade de possibilitar a criação de outros sentidos à experiência que lhe foi traumática, permitindo que se opere um processo de subjetivação e simbolização por parte daquele que traz a dor marcada em sua história. Esta é nossa aposta no que diz respeito a criar condições para, em processo terapêutico, poder auxiliar o paciente.
* Psicóloga Mestre em Psicanálise e Cultura pela PUC-Rio
Membro da Associação Psicanalítica de Nova Friburgo – APNF
Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos – EBEP
nataliamendola@yahoo.com.br
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