Ana Borges
Segundo o advogado Thiago Mello, especialista em direito autoral e empresarial, desde a década de 1990 a cultura vem sendo percebida e estimulada como setor produtivo de enorme potencial para o desenvolvimento econômico e social em todo o país.
"Começamos a compreender que a produção da cultura atende aos elementos essenciais dentro dos paradigmas de desenvolvimento de nosso tempo. É a transversalidade — fruto das interseções da cultura com a educação, turismo, saúde e sustentabilidade —, resultado da natureza local e tradicional de muitas expressões culturais rentáveis, que geram renda e recursos”, avaliou.
Nesta entrevista exclusiva para o caderno Light, Thiago Mello faz uma defesa contundente e convincente de argumentos a favor do posicionamento da cultura e da economia criativa como centros irradiadores de desenvolvimento. E ajuda o empresariado a entender e usar os mecanismos de financiamento da cultura através da renúncia fiscal. Confira.
Light – Com a descoberta do potencial econômico e social da cultura, o que aconteceu?
Thiago Mello – Adotamos um sistema de apoio do Estado a partir da criação de mecanismos de financiamento da cultura por meio de renúncia fiscal, com isenção de percentuais de impostos àqueles que financiem projetos culturais aprovados dentro destes mecanismos. Como, por exemplo, a Lei Rouanet, de 1991, e a Lei do ICMS-RJ, de 2001. Com essa política, o Brasil experimentou a retomada da produção cinematográfica — obtendo recordes de bilheterias e sucesso de crítica — a estruturação de equipamentos culturais, programas e projetos de longa duração financiados por grandes empresas. Com isso, surgiram grandes talentos.
Economicamente, o que isso significa?
Em termos estritamente econômicos, a produção cultural figura hoje como elemento estratégico, já que a também chamada economia do entretenimento figura entre as cinco maiores cadeias produtivas e de consumo da economia globalizada: nos Estados Unidos, por exemplo, é a 2ª maior fonte de riquezas de seu PIB e, no estado do Rio, representa algo e torno de 5% do PIB estadual. Para se ter uma ideia, no Brasil há mais gente empregada na cadeia produtiva do audiovisual do que na indústria automobilística. Noutro ponto, pesquisas apontam que para cada real investido em cultura são criados outros cinco reais, ou seja, o efeito multiplicador de riqueza é da ordem de 500% envolvendo desde a gráfica, o restaurante, a costureira ao posto de gasolina, ônibus, etc.
E aqui, como estamos?
Ainda não temos o que comemorar. Desperdiçamos, anualmente, grande quantidade de dinheiro, pela não atualização dos recursos possíveis de dedução de impostos que são repassados para o Estado e para a União e que poderiam ser aplicados em nossa cidade para o fomento de produções e artistas locais por meio do aproveitamento das leis acima citadas. De fato, Friburgo conta com apenas uma empresa habilitada como patrocinadora no ICMS e existem muitas outras que poderiam aderir e estimular a produção cultural.
Pode explicar mais detalhadamente?
Somente sob o regime de abatimento do imposto de renda (Rouanet), a pessoa física pode deduzir até 6% do imposto devido, e a pessoa jurídica, de lucro real, até 4%. Para dar um exemplo, Friburgo tem cerca de 40 mil declarantes de IR. Se três mil contribuintes, pessoas físicas, doassem o percentual cabível para alguma instituição ou projeto cultural local e, se considerarmos uma média por contribuinte de R$ 100,00 dedutíveis, começamos com um patamar mínimo de investimento anual da ordem de 300 mil reais, sem falarmos dos percentuais cabíveis às pessoas jurídicas de lucro real e dos percentuais do ICMS.
Além desse abatimento, a empresa recebe outros benefícios?
Vários. O primeiro deles é que, ao patrocinar, a empresa promove a ativação da marca com um dinheiro que ela naturalmente já pagaria na forma de imposto. Ou seja, seria o aproveitamento de um dinheiro que já sairia dos caixas das empresas, portanto, não representaria novo investimento ou custo. Em segundo plano, há o ganho do poder de investimento na marca e na divulgação da empresa, sendo certo que ela pode adotar produtos ou projetos que falem diretamente com seu público-alvo.
Por que o empresariado local resiste, não se envolve?
Acho que seja pelo desconhecimento destes mecanismos. Muitos acham que a empresa que apoiar a cultura com abatimento fiscal receberá fiscalização das secretarias e ministério da Fazenda. Essa crença é absolutamente infundada, já que a dedução é feita a partir de percentual permitido dentro do histórico de arrecadação da empresa, de impostos que têm seu lançamento por homologação, ou seja, informados pelo próprio contribuinte. Outro fator, talvez o mais relevante, é a falta de compreensão de como a atividade cultural é vital para o desenvolvimento local, pela promoção do turismo, da elevação da autoestima do povo e, sobretudo, pelo valor contributivo na construção de valores sociais relevantes para toda a sociedade.
Podemos concluir que empresários só têm a ganhar investindo em cultura?
Sim. Sendo ainda mais objetivo: os projetos aprovados através dos mecanismos de fomento (Rouanet e ICMS) conferem a transferência de um título de Crédito Tributário que exclui o respectivo valor, auferido no título para a empresa ou para a pesssoa que apresentar esse título, com a retribuição imediata da realização de um espetáculo, festival, criação de um produto que associe a marca do empresário sem custo para ele.
Você arrisca fazer uma previsão de quando Friburgo vai acordar e entrar para este clube de investidores?
Sou otimista. E como tal, torço e continuo trabalhando para isso. Nossa cidade ainda se ressente dos eventos de 2011 e seus desdobramentos. De fato, precisamos insistir na criação de novas divisas e riquezas, que retroalimentem os setores produtivos consagrados, e também potencializar esses negócios. A cultura tem a seu favor o fato de agregar valor a qualquer outra atividade econômica, seja melhorando sua imagem, seja estabelecendo um vínculo direto de relacionamento com seus públicos. Assim, nossa cidade, tradicionalmente empreendedora merece despertar para esse manancial de recursos que se esvaem em impostos e que poderiam ser diretamente aplicados aqui, com imediato ganho para quem os utiliza (tanto produtores culturais e artistas quanto empresários e patrocinadores), como citei anteriormente.
Para encerrar, fale do que temos, do que precisamos, do que podemos e devemos fazer.
Temos praticamente tudo. Falta-nos articulação. Podemos tecer uma enorme rede de recíprocos ganhos entre produtores culturais e patrocinadores. Devemos, decididamente, acordar para as soluções em vez de chorarmos os problemas. Costumo dizer que talvez tenhamos uma das maiores concentrações percapitas de músicos alfabetizados em partituras do Brasil. Se considerarmos as bandas e as tantas escolas de música, corais etc., talvez estejamos aí entre as 20 ou 50 cidades mais ricas na música e esse é apenas um exemplo. No sentido contrário, nossos teatrólogos e atores perderam espaço, pois alguns de nossos equipamentos de teatro mais importantes ainda sofrem os efeitos de 2011 e a ausência de adesão de recursos dos empresários e a baixa capacidade de investimento da municipalidade. Assim, finalizo com uma mensagem para os empresários e para aqueles que podem se valer dos abatimentos de impostos: invistam na cidade e façam valer suas escolhas, contribuindo para a valorização de nossos artistas e agentes culturais, transformando a sociedade a partir do enriquecimento do bem maior que existe que é a criatividade e a riqueza cultural de nosso povo.
Deixe o seu comentário