O circo, alegria itinerante, sedutora loucura em que somos plateia e também espetáculo, pontuou minha infância de menino. Na infância adulta, povoa meus sonhos e minhas fantasias, e na velhice, tenho absoluta certeza, me fará estrear menino de novo no picadeiro colorido em preto e branco e na mágica plena em verdades.
Nasci no Largo do Rosário em Cataguases, Minas Gerais, de frente para o terreiro onde montavam-se os circos que por lá passavam. Meu avô, Nestor Massena, tocava nas bandas circenses entre números e intervalos, fazia sonoplastia para suspense, alegria, festa, ovação e até para Autos de Natal realizados sob as lonas de algodão.
Depois, em Friburgo, apesar da apreensão nos encantadores Globos da Morte, ou mesmo quando o apache atirava suas facas na ingênua índia, maravilhava-me curiosamente para conhecer o mundo daqueles artistas. Como viviam, de onde vinham, para onde iriam?
Eu queria ser trapezista, malabarista ou coisa qualquer. Minutos depois eu não queria ser nada. O que eu queria era não deixar para trás a imensa felicidade que tudo aquilo me proporcionava.
Naquele tempo havia circos gigantescos com suas megaproduções, animais adestrados, desfile pelas ruas anunciando a temporada e também os minúsculos guerreiros que por aqui ficavam poucas semanas e tinham como principais atrativos os palhaços.
Tudo era encantamento. O colorido da lona. A música ambiente, as bailarinas, os trapezistas, os contorcionistas, engolidores de espadas, cuspidores de fogo, os mágicos, a moça que rodopiava no ar presa aos cabelos, os malabaristas, a menina que caminhava sobre o arame, os equilibristas, os motociclistas no Globo da Morte e até a Conga, a Mulher Gorila. Mas os palhaços... Ah! Esses tocavam o meu coração!
Os habilidosos mímicos ou contorcionistas, o clown com seu rosto branco e chapéu em cone, o mestre de cerimônias, dono da pista e do picadeiro, inteligente, astuto e brilhante; o augusto e excêntrico, que falava das coisas do mundo; ou o campônio, na sua caipirice e ingenuidade... todos cabiam no coração de menino.
Colecionei por muitos anos bilhetes dos espetáculos do Orlando Orfei, do Thiany, do Garcia, Di Roma, Royal, de Moscou, porque me alimentava assistir aos espetáculos e dar gargalhadas de lavar a alma. Saía do circo com a leveza de uma confissão, com a alegria de uma criança e o encantamento que todo adulto necessita para viver nesse mundo cada vez mais ardil, em que as emboscadas e ciladas estão em cada esquina do relacionamento humano, no picadeiro da vida.
E a vida vai se despindo de coloridos, cerrando cortinas, apagando luzes e vamos nos acostumando com ausências. Picadeiro vazio às vezes. Arquibancadas silenciosas. Não há vontade nem mesmo de furar a lona para espiar o que lá dentro acontece.
Vamos nos endurecendo, amargando as palavras, e nem nos damos conta de que só nos importamos mesmo com o que há de ruim no mundo.
Pois é. Essa é a grande falta que o circo faz. Muitas vezes me faz! Não sei se o leitor gosta de circo, mas que importa?! O circo está em nós. Em todos nós!
E quando a vida for ficando sem graça, quando nos faltar o humor, pintar a mania de perseguição, tudo parecer difícil, nada der certo, qualquer coisa irritar, lembre-se do circo. Não há remédio mais eficaz, sem efeitos colaterais e sem contraindicações.
Quando a vida ficar sem graça, lembre-se: falta-nos circo!
Portanto, que rufem os tambores! Que abram as cortinas! Respeitável público: divirta-se! A vida é o nosso grande espetáculo!
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