Em 1912, um revoltado Oswald de Andrade retornava da Europa afirmando que o Brasil estava "cinquenta anos atrasado na cultura, chafurdado em pleno Parnasianismo”. A estética conservadora de poetas como Olavo Bilac já não era vista com bons olhos, já que o país passava por turbulentas mudanças e os intelectuais que surgiram no período buscavam, ansiosamente, uma nova identidade nacional, livre de costumes arcaicos. O movimento literário da época desejava romper com a velha escola.
Como Oswald, a pintora Anita Malfatti – que, digamos, foi o grande estopim para que a Semana de 22 acontecesse – foi-se libertando dos métodos clássicos de se fazer arte, aproximando sua obra às vanguardas europeias. Em 1917, realizou uma exposição individual – a segunda, tendo a primeira sido em 1914 – já totalmente inspirada pela pintura moderna. Recebeu críticas positivas, a princípio, e chegou a vender oito quadros, até que uma dura crítica de Monteiro Lobato, que repudiava o moderno estilo vindo da Europa – segundo ele, expressões que não passavam de artes caricaturais, não com o objetivo cômico que é comum às caricaturas, mas visando desnortear, aparvalhar o espectador – causou um rebuliço na arte de Anita: quadros vendidos foram devolvidos, alguns completamente destroçados.
Assim, movidos pela revolta, outros artistas da época – em especial, os poetas – com os mesmos desejos de ruptura que Anita representou em sua obra, se uniram à pintora a fim de criar um movimento que mostrasse a toda sociedade o nascimento de expressão artística livre, sem o apego exagerado aos velhos costumes. Nascia, então, a Semana de Arte Moderna de 22.
Os "subversores da arte” organizaram essa exposição no Teatro Municipal da cidade de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. No primeiro dia, embora tenha havido certo espanto entre os espectadores, tudo transcorreu sem problemas. No segundo, Menotti del Picchia apresentou os "autores dos novos tempos”, sendo violentamente vaiado pelo público. Aliás, até com grunhidos e latidos, que se confundiam também com os aplausos. Ronald de Carvalho recitou o poema Os sapos, de Manuel Bandeira, que representa uma ferrenha crítica ao Parnasianismo. Mais vaias. A noite terminou com uma tremenda algazarra. O último dia foi o mais tranquilo, tendo a participação de vários músicos. O público se portou de maneira respeitosa, até que Villa-Lobos entrou para se apresentar e voltaram as vaias impiedosas. É que o músico entrou vestindo uma casaca – e com um sapato num pé e no outro... um chinelo! Julgaram desrespeitoso, impróprio, uma atitude despropositada. Qual surpresa não deve ter sido quando Villa-Lobos, depois, assumiu que o motivo de tal indumentária era um calo inflamado no pé.
Enfim, a exposição em si não teve grande importância na época em que aconteceu, mas trouxe, sobretudo, inspiração para outros movimentos culturais ocorridos mais tarde, como a Tropicália e, de certa forma, até a Bossa Nova. Prova, principalmente, que o Brasil é um país cultural, sim, com rico acervo e belíssimas expressões artísticas. Oswald e cia. conseguiram o que queriam, afinal. Temos, finalmente, uma identidade cultural nacional livre!
Os sapos (trecho)
(Manuel Bandeira)
"Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...”
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