A criança que somos
Cá estou, aos 52 anos, revisitando a criança que habita em mim. A criança que todos os dias ainda vive em minhas lembranças. Que adormece ansiosa pelo dia seguinte. Que não acredita em dias iguais e em calendários. Que se pudesse parava o tempo nas horas de fim de festa, bagunça e divertimento. Congelaria os ponteiros do relógio para não ter que cumprir as chatas obrigações impostas pelos adultos. A criança que não quer ir. Não quer sair de mim, apesar da idade.
Teima em vasculhar a caixa de lembranças. Retoma roteiros, caminhos, paisagens. Que só guarda aquilo que foi bom e tenta apagar as coisas ruins vividas e sentidas, sem imaginar que a vida está apenas começando.
A criança que não consegue distinguir inveja do desejo de ter. Que não tem nenhuma necessidade mais importante do que as canções de ninar da mãe, do abraço do pai que chega do trabalho ou do cheiro de aconchego do colo da avó.
Ela está viva em mim. Reproduzindo aromas, afetos, retratos de família.
Vez por outra vai lá atrás roubar do tempo os rostos de amigos. Vozes tão íntimas. Momentos tão fraternos. Se soubesse que a vida, com o tempo, ia perdendo a graça, ela ficaria para sempre no último degrau do escorrega assistindo o adulto brigando com as coisas do mundo.
E chegou um tempo em que entendi que era tão fácil arrumar os brinquedos e o quarto diante dos ajustes que fiz e faço em minha vida, na maioria das vezes obrigatoriamente.
Era tão boa a satisfação com a meia-dúzia de balas, o pacote de biscoitos, o pão doce e o guaraná. Isso já me fazia feliz!
A criança que imaginou o seu adulto sou eu. Que torcia para o tempo passar apenas para ser grande é o adulto que sou. Sem tirar nem por. Por isso me revisito com intimidade sempre que posso.
A criança que fui é o adulto que aqui está. Há uma estrada enorme que me leva lá atrás quando preciso fôlego. Vou beber da fonte para fortalecer-me. Vou buscar na criança de ontem a ingenuidade necessária para enfrentar os maus de hoje.
Bichos-papões, bois da cara preta, mulas sem cabeça... Existem, sim! Não acreditem nos adultos!
Criança não engana. Não se engana. Por isso, a criança que habita em mim salva-me das intempéries, golpes, tropeços e abismos.
E de mãos dadas com ela percorro o caminho da escola. A volta pra casa. O domingo na praça... E a certeza de sua presença é que me faz feliz!
Feliz Dia das Crianças, para todos nós!
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