Marieta ilha

sexta-feira, 22 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Laryssa Freeze

Marieta já não é mais a mesma pessoa desde que encontrou o amor bem diante de seus olhos. Aconteceu que nesse dia, sua vida mudou totalmente: o sorriso que agora desabrocha de seus lábios - sincero e brilhante - tem o poder de iluminar 25 quilômetros a sua frente e seus olhos ganharam profundidade de oceano. Alongaram-se seus cabelos, sua silhueta tornou-se aconchegante e afável e sua voz assumiu tons de mistério. E, embora Marieta tenha sempre sido uma pessoa muitíssimo interessante, desde que o amor lhe veio tudo ao seu redor parece revolto numa névoa instigadora - e é impossível deixar de contemplá-la por longos períodos.
Fico sinceramente feliz por ela, porque sei que a solidão destrói as pessoas e que há pedaços de nós mesmos que as amizades não conseguem completar. De mais, há de se ver que está feliz e que a vida tem lhe tratado com carinho, o que ela bem merece.
De mais também que parece que ela encontrou no outro um pedaço dela mesma, o qual, talvez, nem mesmo soubesse que tinha. E não é isso que buscamos todos?
Sim, fico sinceramente feliz e, no entanto, pesa a distância que sua inalcançável felicidade impõe sobre mim. Marieta já não é mais a mesma, aquela mulher de domingos, de vida pacata (embora o seu interior borbulhasse), de poucos, porém frequentes prazeres, de conversa sincera e sem preconceitos. Não está mais nunca sobre a tênue linha da explosão de sentimentos, fato que a fazia sempre inesperada e eram todos tão cuidadosos! Não. 
Ela agora fala silêncios, dita suas frases em reticências e já não se sabe (ao menos não sei eu) o que vai em sua cabeça. No contrário passado, nem assim tão distante, lembro de tudo saber (mesmo o que não era nunca dito), de investigar sua penteadeira e descobrir, pela arrumação da maquiagem em caixas, das bijuterias e sapatos o que lhe era mais íntimo e guardado. 
Certo dia lá achei um cachimbo, cuidadosamente guardado numa caixa. Anos se passaram e eu ainda não disse para Marieta que ela não precisa esconder seus cachimbos em caixas, porque também eu fumo cachimbo, mas nem disso ela sabe. Eu nunca contei. Não sei o porquê, só não conto, não consigo. Soaria pedante dizer “deixa de ser boba, Marieta. Não há o que esconder, eu sei de tudo”.
E sei mesmo, mas de mim ela nada sabe? Não desconfia? Por que nos afastamos assim, sem remédio ou cura, por que esse trunfo de igualdade já não me garante sua presença constante em minha vida? Seu quarto agora é tão neutro (ela aprendeu que é melhor assim) e a velha madeira escura já não cheira a cera e já não me conta segredos.
Antes eu conhecia Marieta, agora já não a conheço. E me incomoda saber que logo ali na minha frente está um mundo, dentro de uma pessoa, que sorri ao se lembrar de um fato engraçado. Talvez, em outras épocas, eu soubesse do que se tratava. Talvez com ela risse, ou guardasse o riso para depois, porque sou polida e confiável e nunca revelo o que clandestinamente conheço.
E ela não se afastou dos que explicitamente sabem seus segredos, só eu, tímida, fiquei para trás. E sinto falta de Marieta – dói dizer – muito mais do que ela sente de mim.
E agora já não ajo naturalmente ao seu lado.
Sou estranha e desproporcional. Se ela descobrir, talvez me rendesse, mas e se se embravecer?
Só sei que os papéis jogados que agora há em seu neutro quarto já não apontam direções para universos paralelos; são meros extratos bancários, comprovantes de cartão de crédito, lembretes. Seu domínio é permeado de fronteiras intransponíveis.  Já entre ela e eu mesma, da nossa comunhão de almas, tão distantes agora, não há vestígios.
Marieta já não é a mesma e a mesma também já não sou eu. Os anos passam e, enquanto ela rejuvenesce a olhos vistos, eu envelheço, até o fim dos tempos. Minhas costas se curvam, as palavras me somem e há a eminente solidão do fim dos dias. Mas Marieta é jovem de amor. Para ela, a eternidade é a regra. Ela escolheu ser feliz e eu, com olhos suplicantes, meio que encaro seu sorriso, pedindo “resgata-me!”. Mas por mim ela nada pode fazer.  Sinto que nunca mais nos tornaremos a ver com olhos cúmplices e que nunca poderei confessar-lhe que sou sua amiga, a melhor amiga, sempre presente, muito embora de mim ela já não precise, nunca tenha precisado. Sou eu que a necessito, e preciso montar o mosaico de suas vivências pelos restos que deixa pelos cantos: papéis amassados, caixas de maquiagem, a posição de seus sapatos. O amor a levou para onde não posso acompanha-la. O amor de Marieta me deixou tão só.

 lara_frezze@hotmail.com

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