Um mestre na arte de contar histórias para crianças e jovens

Aos 60 anos, Álvaro Ottoni comemora o sucesso de seus 31 anos de carreira
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Um mestre na arte de contar  histórias para crianças e jovens
Um mestre na arte de contar histórias para crianças e jovens

Flávia Namen

Considerado um mago da literatura infanto-juvenil, o premiado escritor Álvaro Ottoni comemorou 60 anos de vida no último dia 17 e completa 32 anos de carreira em agosto deste ano. Dono de um talento ímpar, ele também tem uma trajetória de sucesso como criador de projetos de incentivo à leitura e já ocupou posições de destaque no cenário cultural. Não é à toa que recentemente ele participou de um programa de entrevistas na TV Senado, onde falou de sua vida e obra. Radicado há alguns anos em Nova Friburgo, este carioca é uma figura muito conhecida e querida dos friburguenses por seu relevante trabalho cultural. Nesta entrevista, Álvaro fala sobre o início da carreira, sua trajetória de sucesso e seu mais recente livro, lançado em badalado evento no Rio. O escritor também explica sua opção de viver na serra e relembra o período pós-catástrofe na cidade, quando promoveu contação de histórias para as crianças que estavam nos abrigos. 

LIGHT: Com foi a sua estreia como escritor de livros infanto-juvenis?
Álvaro: Em 1981 lancei meu primeiro livro “A Árvore Que Fugiu do Quintal”, quando pouco se falava em ecologia no país, algo visto com certo descaso, como um resquício do movimento hippie. Aliás, até o termo ecologia era novo na época, para o que sempre se chamou de história natural. Sofri inclusive crítica de uma professora universitária que não entendia o fato de tratar de ecologia para crianças. E veja só, o livro bateu a marca dos cento e cinquenta mil exemplares vendidos, já está na 23ª edição, foi traduzido em vários países e em quantas cabeças despertou a consciência ecológica. Foi peça de teatro de muito sucesso com um elenco de estrelas de primeira grandeza, como Soraya Ravenle, Isaac Bernat, Cláudio Torres Gonzaga, Cláudia Guimarães e trilha sonora de Itamara Koorax. 

LIGHT: Fale um pouco sobre sua longa trajetória. 
Álvaro: Em agosto de 2013 estarei completando 32 anos de carreira, o que considero uma vitória. Nunca imaginei que me tornaria escritor de livros infanto-juvenis. Quando escrevi meu primeiro livro, me inspirei no sentimento de perda da casa linda em que morava na minha infância e que tinha uma bela mangueira. A história acabou sendo um sucesso, mas fiquei com receio de me tornar escritor de um livro só, o que felizmente não aconteceu. De lá para cá escrevi 29 livros, dos quais nove foram traduzidos para o exterior e dois foram adaptados para o teatro. Escrever para crianças é uma forma de resgatar a infância maravilhosa que tive. Procuro praticar uma literatura que diverte e faz pensar que meu deu inclusive prêmios no país e no exterior, como melhor autor estrangeiro na Bulgária, e nome de rua em Lençóis Paulistas (SP). 

LIGHT: Além de um consagrado escritor, você também realiza várias ações de incentivo à leitura e ocupou cargos importantes no setor cultural. 
Álvaro: Um deles é o trabalho que desenvolvi por todo o país, capacitando professores, pela Fundação Biblioteca Nacional, pelo Sesc—essa instituição que tanto incentiva à leitura e trabalha pela cultura, pelo Projeto Leia Brasil. Também faço esse trabalho a convite das escolas com o projeto A Pedagogia do Afeto e do Olhar. É fundamental a capacitação de professores para despertar o interesse dos alunos pelos livros. Como secretário de Pró-Leitura de Nova Friburgo implantei o 1º Plano Municipal de Leitura do país e promovi várias ações de disseminação da leitura. Também fui secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, na gestão de Israel Klabin, sendo responsável pela criação das lonas culturais de Campo Grande e Santa Cruz, projeto que se estendeu posteriormente a outros bairros da capital. 

LIGHT: Como foi sua experiência como contador de histórias nos abrigos após a catástrofe de 2011?
Álvaro: Foi um trabalho muito marcante e uma das experiências mais fortes de minha vida. Dois dias após a tragédia comecei a visitar os abrigos do município para levar um pouco de alegria à garotada. Além da contação de histórias também arrecadei brinquedos que distribuía ao final de cada apresentação. Tive o cuidado de embrulhar cada um e chamar as crianças pelo nome na hora da entrega. Até hoje me lembro de uma menina chamada Heloísa que se surpreendeu quando a chamei e disse que eu era o Papai Noel. Percorri os 72 abrigos que funcionavam no município e fiquei bastante tocado com esse trabalho que me abalou profundamente. Cheguei até a contrair uma doença de pele de fundo emocional, mas valeu a pena. 

LIGHT: E a entrevista para a TV Senado?
Álvaro: Foi tão legal que a diretora dobrou o bloco e fomos a 40 minutos de um papo descontraído sobre a minha vida e obra em um dos mais representativos palcos do país: a biblioteca da Academia Brasileira de Letras, no centro do Rio de Janeiro. Sem contar que foi um reconhecimento à minha trajetória profissional, de quase 32 anos dedicados à criançada, em busca de um ser melhor, de um mundo melhor. Foi muito gratificante sentir o carinho e respeito a essa minha mágica e encantadora profissão que levou Darcy Ribeiro a dizer que “os livros do Álvaro são perigosos; lendo-os voltamos a ser crianças”.

LIGHT: Fale um pouco sobre o seu mais recente livro...
Álvaro: “O Menino Misterioso” é meu 29º livro e trata do encontro de uma menina Elisa com seu anjo da guarda que em determinado momento desaparece para tristeza e desespero da coitada. Em meio a esse caos Elisa recebe notícia que realizará o maior sonho de sua vida já que seus pais decidiram finalmente ceder aos seus constantes apelos e adotar uma irmãzinha para ela. Sem conseguir disfarçar o desânimo—estranhadíssimo pelos pais—ela se depara com uma grande surpresa no orfanato. A história é muito delicada, com uma relação de amizade muito verdadeira e divertida, e situa o leitor na realidade da adoção no país. O livro tem ilustrações belísimas de Vitor Belicanta e um trabalho gráfico muito lindo apresentado pela Editora José Olympio—Grupo Editorial Record—um dos mais renomados da América Latina.

LIGHT: O lançamento teve um sabor especial por contar com a participação de suas filhas?
Álvaro: Foi uma tarde de autógrafos muito emocionante para mim. A Livraria da Travessa, em Ipanema, estava cheia e fiquei orgulhoso com a leitura dramatizada apresentada pela Cacá Ottoni, a Morgana de Malhação, e a Elisa Ottoni, que também é atriz. O protagonista Guilherme Prates, o Dinho, também participou dos esquetes em homenagem à minha longa carreira. 

LIGHT: Você está radicado há muitos anos em Nova Friburgo. Não sente vontade de voltar para sua terra natal, o Rio de Janeiro, e ficar mais próximo da agitação cultural de um grande centro?
Álvaro: A opção pelo interior foi por qualidade de vida e para a formação dos meus filhos foi muito acertada. De vez em quando tenho minhas crises, me sinto desprestigiado, largado, mas a terra é boa, o povo é bom, e vou ficando, vamos ver até quando. Agora, as duas filhas maiores já voltaram para a Cidade Maravilhosa, são atrizes, jovens e muito talentosas, leitoras, e com muito conteúdo. Também contava histórias para elas desde quando estavam na barriga da mãe e uma vez fora da vida uterina não pararam mais de ler, e leitura é tudo. Pena que tanta gente confunda leitura com alfabetização. Quando leitura tem que ser entendida com L maiúsculo, leitura que confere letramento, a possibilidade de ler melhor a si mesmo, ler melhor o outro, o entorno, o mundo, a vida. Leitura que desperta consciência crítica que aumenta a autoestima que dá aos passos mais saber e sabor, aliás palavras como a mesma origem etimológica e que andam tão dissociadas pelos descaminhos da educação.

(...) leitura tem que ser entendida com L maiúsculo, leitura que confere letramento, a possibilidade de ler melhor a si mesmo, ler melhor o outro, o entorno, o mundo, a vida. Leitura que desperta consciência crítica que aumenta a autoestima que dá aos passos mais saber e sabor, aliás palavras como a mesma origem etimológica e que andam tão dissociadas pelos descaminhos da educação.

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