It-husbands e outras tendências da estação

sexta-feira, 17 de agosto de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Felipe Politano

Não é preciso folhear revistas de celebridades ou vasculhar colunas sociais para perceber: tanto o luxo quanto o machismo mudaram, e é cada vez menos surpreendente a coexistência improvável desses dois.

Já não é raro ver mulheres que ascenderam junto com seus maridos (ou por conta própria, ou por suas próprias famílias) fazendo questão de assumir os estereótipos da mulherzinha que torra o cartão do marido, que mente a conta da loja de sapato, que ganhou a sorte grande arrumando um partido. Elas não precisam, mas querem vender a imagem de que alcançaram o símbolo máximo do consumo: um marido. Mais: um marido rico, de preferência mais rico que elas e que as amigas delas, e seus respectivos maridos.

De uma hora pra outra, ser dependente passou a dar mais status que ser independente. E isso tem decorrências sérias para a vida sentimental, social e até econômica.

A gente sabe que as mulheres estão se dizendo “cansadas” do feminismo, pleiteando regalias “perdidas” e coisa e tal. Talvez não sejam as mesmas mulheres que tinham tanto a reclamar e que tanto conquistaram, mas são mulheres mesmo assim, e vamos fazer de conta que o mundo se presta a essa divisão fifty-fifty.

A gente sabe também que existe um novo machismo na praça, recheado dos mecanismos perversos de sempre, e cada vez mais abraçado pelas próprias mulheres. Tudo bem ser objeto, tudo bem ser coadjuvante, tudo bem ser propriedade—contanto que se possa falar de Jimmy Choo com as amigas tomando um cosmo. Talvez funcione pra Carrie e mais três, apenas.

De volta ao luxo: ter um it-husband não é a única aspiração machista das consumidoras de hoje. Elas querem pertencer, e mais, querem se diferenciar—principalmente da massa emergente que compra TVs de plasma com avidez espantosa. No jogo social brasileiro, quem fez dinheiro antes do Plano Real já se sente aristocrata, e quem tem ao menos três gerações bem-sucedidas já ganha um título de família quatrocentona. E é aí que entra o desejo insustentável pelo elemento da tradição.

A história é um elemento primordial na construção de um comportamento ou produto de luxo. E é nesse cruzamento que reside o ponto crucial desse fenômeno das neomulherzinhas: resgatar comportamentos de tempos passados parece transmitir a falsa ideia de pertença a uma tradição ancestral. E isso é chique, muito chique. Mulheres self-made são coisa recente e muito mais cafona que a Barra da Tijuca; não tem o doce aroma de old money que só uma boa e fake Amélia de Amex à mão possui.

Mas a verdade é que esse padrão não se assemelha em nada ao que se teoriza como luxo—sim, se teoriza (e muito) sobre o assunto. Enquanto imaterialidade, luxuosa é a virtude consistente e a indiferença quase egoísta ao alheio—ou seja, a antítese exata desse antifeminismo business class. Uma ilustração clássica do conceito de luxo individual é a imagem do Deus católico, autocentrado e autoindulgente—e que, pelo que consta, não pede emprestado o Diners de ninguém.

Case in point: na história, não é a primeira vez que uma sociedade dá um ou dois passos pra trás, tentando mimetizar justamente a parte errada de tempos anteriores. Romanos, franceses, americanos—todos já transitaram em marcha a ré nessa via de mão única. Mas validar esse tipo de raciocínio e construção social é negar mais que o direito de queimar sutiãs para ter portas de carro abertas; é acatar abertamente um jogo de manipulação cruel, e validar indiretamente tantas outras formas de discriminação anacrônicas que ainda persistem.

Não é uma imagem nada luxuosa, mas todo mundo que já ralou o joelho caindo de bicicleta entende: preconceito é uma ferida sensível, daquelas com cascão vistoso e recente. Faz até cócegas de tão sensível, se tocada com suavidade. Mas é uma chaga, e há de doer, se não for cicatrizada de uma vez.

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