Ser moderno é coisa de fracassado, né não?
Não são ótimas essas publicações que se autointitulam “a revista da mulher moderna” ou “a revista do homem moderno” e continuam martelando valores de 1952? Triste, mas é o que mais se vê por aí. Não aqui nos Focas, é claro. Aqui é “a coluna dos jornalistas fracassados”. Mas ok, a gente consegue conviver com isso. Pelo menos por enquanto. Assim que sair o prêmio da Mega Sena, good-bye, ralé!
Desabafo de uma foca fêmea
Priscilla Franco
Nunca há de ter sido fácil nascer mulher. A natureza caprichou quando inventou o sexo feminino e todas as suas complicações. Mas no auge dos meus vinte e poucos anos, tenho a impressão de que as outras gerações nem poderiam imaginar a dureza de ser uma mulher da minha idade, na minha época. Somos multifacetadas, ou pelo menos é o que a sociedade exige de nós: ágeis como um 3g, versáteis como um tablet, úteis como um iPhone, esculpidas por um Pitangui. E o salário, ó!
Acordo de manhã e reparo que no espelho me observa uma criatura estranha. A imagem nem de longe lembra Giselle Bundshen em um editorial de moda-pijama. Aliás, as roupas em mim jamais teriam o mesmo caimento que na Gisa, ainda que eu tivesse cacife para as marcas que ela anuncia. Banho, cabelo e escolho uma roupa mais ou menos. Me preparo para mais um dia de expediente, embora, na verdade, tenha feito todas as tarefas da casa antes mesmo do café da manhã.
As amigas da minha mãe perguntam quando ela será avó. Espero que isso aconteça antes dos meus trinta anos, embora especializações e viagens sejam as minhas prioridades. Penso que toda mulher merecia permanecer duas décadas entre os vinte e trinta anos, e ainda seria pouco para tanto a realizar.
Aliás, para realizar é preciso dedicar vários dias. Um de cada vez. Só que eles são naturalmente corridos, quando me divido entre trabalho, estudos e afazeres domésticos. Na cabeceira junta pó sobre o livro que deixei pela metade. Na consciência pesa a matrícula da academia que ficou de novo para o mês que vem. Médico só quando adoeço, e enquanto isso, analgésico. Porque, valha-me, Deus! Quem tem tempo para uma cólica?
MINUTO ESPORTIVO
Leonardo Lima
Os brasileiros que acompanham o tênis hoje em dia tem em Thomaz Bellucci a principal esperança de títulos para o país. Apesar de talentoso, o tenista é inconstante e não consegue se projetar entre os melhores. O destempero emocional e a dificuldade em se concentrar atrapalham o jovem, que é capaz de fazer uma jogada fantástica e botar tudo a perder logo a seguir.
Saudosos, os amantes do tênis lembram até hoje de um então desconhecido que virou manchete por avançar no Roland Garros de 1997. À medida que Gustavo Kuerten ganhava suas partidas, a atenção dos brasileiros aumentava. Quando bateu o espanhol Sergi Bruguera na decisão, o país viu o surgimento de um novo herói nacional. Guga provou que era possível difundir o tênis também em terras tupiniquins. Seus títulos não pararam mais: campeão dos torneios de Palma de Mallorca, Stuttgart, Monte Carlo, Roma, Santiago, Hamburgo, Indianápolis, entre muitos outros. O posto de número um do ranking mundial era questão de tempo e foi alcançado em 2000, ao bater o lendário André Agassi na final do Masters Cup de Lisboa.
E Guga não parou por aí. Faturou mais dois Roland Garros e chegou a incrível marca de 22 torneios conquistados no circuito mundial. Aos 28 anos, porém, as insistentes contusões começaram a virar o jogo contra ele. Seu último título foi o Brasil Open, em 2004. Após isso, lutou durante quatro anos para voltar a atuar em alto nível. Entretanto, os problemas físicos pesaram e Gustavo Kuerten anunciou o fim de sua vitoriosa carreira em 2008, aos 31 anos. Uma aposentadoria precoce, sem dúvidas. O Brasil viu sua grande referência no tênis abandonar as quadras.
No entanto, o legado deixado por Guga é incalculável. O tênis, que antes era um esporte majoritariamente praticado pela classe média alta, se tornou acessível às outras camadas sociais. Mais que títulos, Guga transformou o modo de uma nação ver o tênis. A Thomaz Bellucci resta se inspirar nas lições deixadas por um dos maiores esportistas que o Brasil teve.
LEMBRA DISSO?
Amine Silvares
Houve um tempo em que a coisa mais legal que o seu celular podia fazer era ter o jogo da cobrinha. Tempos mais simples aqueles em que as telas não tinham um milhão de cores, dava para trocar a capinha do aparelho e se caísse no chão, quebrava o piso. Câmera e mp3 eram sonhos distantes.
Talvez o maior sucesso desta época tenha sido o famigerado Nokia 2270. Ou o 2280. Ou o 2285, que era praticamente igual aos outros dois. Acho que todos os meus amigos tiveram um, ou do azul ou do cinza. A diversão era, além de jogar o jogo da cobrinha, descobrir diferentes códigos que possibilitavam o envio de mensagens com desenhos feitos com diferentes caracteres e os ringtones que podiam ser comprados enviando mensagens de texto para as operadoras.
Mas coitada da Nokia. Após anos liderando o mercado (chegou a fabricar 40% de todos os aparelhos vendidos), veio a Apple e sambou na cara deles com o iPhone. Nos últimos anos, a empresa tem tentado se reerguer, mas está difícil. Atualmente, a Samsung lidera o mercado, provavelmente graças ao sistema Android. Depois de muito tempo tentando emplacar o Symbian, a empresa finlandesa se rendeu ao Windows Phone para tentar reconquistar seu espaço no mercado.
LER, VER, OUVIR
João Clemente
Ler e ver: “Glauber Rocha—Esse Vulcão” é a biografia desse cineasta descabelado, falastrão, polêmico, romântico, intenso, grandiloquente. O livro foi escrito pelo seu bom amigo João Carlos Teixeira Gomes.
Poucos brasileiros se encaixam tão bem na definição popular de “gênio louco” quanto Glauber Rocha. Sua notoriedade, entretanto, é restrita a um punhado de críticos e cinéfilos. E não é pequena, visto que “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe” ou “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” são, no exterior, frequentemente citados nas listas de melhores filmes do mundo. Glauber nasceu no interior da Bahia, em 1939 e faleceu no Rio de Janeiro em 1981. Quando criança, dividia seu tempo entre as brincadeiras com os amigos e a leitura de livros. Na mocidade adulta, escreveu peças de teatro e artigos para revistas. Escolheu mais tarde o cinema porque acreditava ser esta uma forma de comunicação forte e direta com o público: Glauber Rocha queria acender as pessoas.
Disse Marcel Proust certa vez que os grandes artistas criam algo como um novo idioma e a obra de Glauber é um belo exemplo disso. Emblematicamente, nem mesmo a ortografia escapava à singularidade da sua pessoa: nas cartas, projetos e artigos que assinava, alterava as palavras as quais era assim possível preservar sua sonoridade—como “Brazyl”, por exemplo.
As pessoas conhecem mais o nome Glauber Rocha do que seus filmes.
Ouvir: Em seus primórdios o hip hop não era tão “marrento” quanto nos dias atuais. “3 Feet High and Rising” (1989), disco de estreia do grupo De La Soul, é talvez a expressão mais alto-astral do gênero musical. E além de ser alto-astral, é um dos mais audaciosos da época de ouro da técnica de composição chamada sampler—o uso de pedaços de outras gravações para compor arranjos ou para fazer intervenções, etc. Ninguém fez isso com a maestria do De La Soul e também os Beastie Boys/Dust Brothers (com o disco “Paul’s Boutique”). Até porque depois disso a brincadeira começou a ficar muito cara: o preço a pagar pelo uso de um sampler foi se tornando tão milionário que “3 Feet High” e “Paul’s Boutique” seriam hoje inviáveis comercialmente.
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