Por Alex Sandro Santos (alex.sandro.fotografias@gmail.com)
Aos seus 89 anos, Moacir Marchon—popularmente conhecido como Moacir Chuabinha pelos muitos amigos no distrito de São Pedro da Serra—é uma dessas pessoas que se quer sempre por perto, para tecer um fio de prosa e se apaixonar por suas histórias repletas de alegria e simplicidade, que arremete a uma verdadeira viagem no tempo.
Gêmeo de uma irmã—que morreu ainda no ventre de sua mãe—Moacir veio de uma família de 17 pessoas, e vivia em Cascata—localidade próxima a Casimiro de Abreu/RJ—sem energia elétrica, sem água encanada, sem telefone e todos os demais confortos domésticos. A família, na verdade, vivia numa gruta. A cama era feita de palhas de milho e taboa (uma espécie de planta utilizada para fazer esteira) e, não importa se homem ou mulher, todos usavam vestidos. No parto, verduras e legumes colhidos em horta própria e caças da mata. A família só comia uma vez por dia e muitas vezes um angu de banana verde ajudava a driblar a fome. Remédios, por conseguinte, eram todos retirados da natureza.
Moacir conta que o sabão era feito das cinzas das lenhas, soda cáustica e gordura de porco. Até o açúcar era retirado das canas de forma artesanal. O que não se podia colher da terra, assim como sal e outros itens indispensáveis, costumava-se fazer trocas, ou seja: se um indivíduo plantava milho, trocava-o com outro que plantava tomate, e assim por diante. Nesse período havia poucos comércios e os que existiam ficavam a distância de um dia de cavalgada. O mais próximo, naquela época, ficava em Boa Esperança.
Para intimidar as onças, muito comuns e em abundância naquele período nas redondezas, seus pais se revezavam para manter sempre uma chama acesa próximo à gruta. Entre os bichos que ele conta já ter comido estão lagartos, tatu, jiboia, paca, jacu, cobras e macaco. Para conservar as carnes, apenas sal.
Moacir conheceu São Pedro da Serra aos 12 anos de idade e aos 13 já estava casado com a primeira esposa, com quem teve quatro filhos, sendo que dois morreram antes do nascimento. Morou com a esposa por longo tempo num galpão que diziam ser mal-assombrado, mas logo descobriu que, na verdade, a tal assombração não passava de gambás, que haviam feito ninho no forro. Ele, que já tinha habilidade com caça, aproveitou para deles se alimentar, já que a fartura passava longe de sua despensa. Em São Pedro da Serra não existia quase nada àquela época e poucas pessoas habitavam o pacato lugarejo. Para se ter uma ideia, conta Moacir, para chegar ao centro de Nova Friburgo demorava-se cerca de três dias. Em alguns pontos do percurso existiam algumas cabanas já preparadas para que os viajantes pudessem descansar e preparar algo para comer, além de dar água aos animais que ajudavam no trajeto.
Moacir foi trabalhar como padeiro próximo a Bom Jardim, onde sua esposa faleceu. Somente após oito anos de viuvez, cuidando das duas filhas praticamente sozinho, e já de volta a São Pedro da Serra foi que conheceu a segunda esposa, com quem teve mais seis filhos, sendo que dois também morreram.
Simpático e humilde, até pouco tempo Moacir tinha como sua maior distração colocar a enxada nas costas e sair para cultivar mandiocas, amendoins, bananas, inhames etc, mas foi orientado pela família a evitar tais esforços. O difícil para ele, no entanto, é ficar parado: está sempre fazendo algo aqui e ali. Não deixa de preparar a própria comida, e para isso utiliza um fogão a lenha, cujas madeiras ele mesmo recolhe e corta com um machado. Ele também gosta de consertar sombrinhas e guarda-sóis para amigos e parentes.
Vascaíno de corpo e alma, não perde um jogo do clube cruzmaltino. É um daqueles torcedores que parece querer entrar pela televisão para resolver uma partida e fazer gols.
Moacir é um homem que tem muita coisa para contar. Traz na lembrança um documento precioso, cheio de aventuras, simplicidade, curiosidades e história... Muita história—e das boas!
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