Semana passada falei aqui sobre “Guerra”, de Sebastian Junger—que retrata o dia a dia dos soldados americanos no Afeganistão. Então lembrei de “Nada de Novo no Front”, do alemão Erich M. Remarque, um dos primeiros livros a deixar de lado o heroísmo romântico das narrações sobre a guerra e relatar a sua verdadeira face. A história mostra, sem nenhum glamour, as vidas dilaceradas de jovens soldados alemães da Primeira Guerra Mundial—rapazes de dezoito anos que perderam boa parte da sua humanidade e da sua perspectiva de futuro. Como o próprio Remarque diz, “a primeira granada explodiu em nossos corações”.
Bom, segue então um trecho memorável dessa grande obra da literatura:
“Tudo fica mais calmo, mas os gritos não param.
—O que há, Albert?—pergunto.
—Lá do outro lado, umas duas colunas foram atingidas em cheio.
Os gritos continuam. Não são homens, eles não gritam assim tão horrivelmente.
Kats diz:
—Cavalos feridos.
Eu nunca tinha ouvido cavalos gritarem e quase não posso acreditar. É toda a lamentação do mundo, é a criatura martirizada, é uma dor selvagem, que assim geme. Ficamos pálidos. Detering levanta-se.
—Pelo amor de Deus, acabem logo com eles!
É lavrador e conhece os cavalos muito bem. Isto toca-lhe fundo. E como se fosse de propósito, o fogo quase cessa, fazendo ficar mais nítido o gritar dos bichos. Não se sabe mais de onde vêm, nesta paisagem calma prateada; são invisíveis, espectrais; em todo lugar, entre o céu e a terra, os gritos se propagam. Detering, descontrolado, berra:
—Atirem neles, atirem logo, seus malditos, pelo amor de Deus!
—Têm de recolher primeiro os homens—diz Katz.
Levantamos e procuramos descobrir o lugar. Se ao menos pudéssemos ver os animais, seria mais fácil suportar o pesadelo. Meyer tem um binóculo. Vemos um grupo escuro de enfermeiros com macas, e grandes massas negras, que se agitam. São cavalos feridos. Mas não estão todos ali. Alguns continuam a galopar mais adiante, caem no chão, para depois erguerem-se novamente.
Um deles tem o ventre rasgado, as tripas penduradas para fora. Tropeça nos próprios intestinos e cai, mas levanta-se novamente.
Detering pega o fuzil e apoia. Katz afasta-o com força.
—Ficou maluco?
Detering treme e joga o fuzil no chão. Sentamo-nos e tapamos os ouvidos. Mas estes lamentos, gemidos e clamores terríveis penetram dentro de nós, eles conseguem penetrar em todo lugar.
Somos capazes de aguentar muito sofrimento. Mas agora estamos todos suando. Queríamos levantar-nos e fugir, não importa para onde, somente para não termos que ouvir mais estes gritos.
E, apesar de tudo, nem homens são, apenas cavalos.”
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