Espaço de Leitura - A alegria dos tempos atrás - 30 de julho a 1º de agosto 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011
por Jornal A Voz da Serra

O Itaú Cultural edita uma revista chamada Continuum que, tal qual nos diz o título, fala de tudo que vive em nossas lembranças e acervos e da importância do registro dessas memórias.

Compartilhamos com vocês uma “pérola” registrada por Thiago Rosenberg

A alegria dos tempos atrás

Há alguns anos — ela não recorda exatamente quando — dona Julinha resolveu colocar suas memórias no papel. Queria fazer algo como uma autobiografia ilustrada. Pegou um caderno escolar, pautado e sem espiral e nele redigiu — ora com letra de forma, ora com letra de mão, usando aquelas canetinhas hidrográficas coloridas, com tinta laranja, azul, amarela, verde — impressões sobre episódios, lugares e pessoas marcantes de sua vida. Ao lado de cada trecho escrito, colou, na falta de fotografias suas, figuras recortadas de livros didáticos, jornais e revistas. “Nesse caderno eu conto algumas coisa passada na minha vida”, apresenta ela na primeira página. “Como na época não havia retratista coloco estas figurinhas; cada figurinha representa um passado da minha vida”.

Dona Julinha, essa sim, sente falta do passado — dos passados. Ela tem 74 anos e não sabe ao certo qual é o seu nome de nascença. Quando menina, em Serra de São Bento, Rio Grande do Norte, perdeu a mãe e foi deixada por seu pai com um casal de idosos — “o velhinho era Targinho, a velhinha era Chiquinha”, lembra —, que a criou e a educou.

Grande parte do caderno faz menção à infância — em suas palavras, “a fase mais bela na vida dos seres humanos”. Ao lado de uma imagem impressa em papel-jornal, de uma criança que sorri debruçada na janela de uma modesta casa de pedra e madeira, há as seguintes palavras: “Esta menina feliz faz lembrar o quanto eu era feliz aos meus dez anos aos meus onze anos em uma casinha humilde assim dentro dela morava uma rosa esta rosa era eu feliz, sorridente, tristeza não morava comigo”.

O caderno traz, ainda, considerações sobre o trabalho na roça — “na minha época o trabalho na roça não era desonra quase toda moça trabalhava e não havia crítica até achava divertido” — e sobre o casamento: “Este casal”, referindo-se a um recorte provavelmente retirado de um editorial de moda, “representa a vida de amor de casamento... me casei por amor foi meu charme e minha felicidade”. Ela se casou em Serra de São Bento e, em 1973, mudou-se com a família para Passa e Fica, onde teve 13 filhos e trabalhou como professora em uma escola primária.

Em 2003, Pedro, seu marido, morreu. E depois disso, a tristeza foi morar com ela.

Julinha se aposentou do colégio em 1986. Foi em maio, no meio do ano letivo. “Eu entreguei a escola para uma professora nova e me despedi de todos os alunos. Eles tudinho baixaram a cabeça, do lado da minha mesa, enquanto eu ia embora. E um deles, um moreninho, me acompanhou de mãos dadas até a porta, chorando, chorando.”

Ela não pensa em morar fora de Passa e Fica, mas, se soubesse por onde anda esse menino, iria até ele e “lhe ensinaria o que faltava para concluir aquele ano letivo”.

Se você quiser conhecer outras dessas histórias, acesse o site www.itaucultural.org.br

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