Como leitora desse conceituado Jornal, acompanho com grande interesse as colunas e os artigos que relatam nossa História, como os publicados no mês de maio, no Caderno AVS Light, (importantes documentos para nossos arquivos pessoais), na ânsia de que esclareçam fatos que ficaram esquecidos, pois a história dos colonos, da nossa cidade, parece-nos incompleta.
Assim, pedindo licença aos Mestres Raphael Luiz de Siqueira Jaccoud, Historiador Carlos Jayme Jaccoud, João Raymundo Araújo, meu Professor do curso de Direito, Professora Janaína Botelho, Professor Ricardo da Gama Rosa Costa, Pastor Armindo L. Müller, aos Guardiões da nossa memória Maria Tereza Albuquerque e Nelson Bohrer, transcrevo surpreendentes relatos sobre a nossa cidade, nos seus momentos iniciais, obtidos na coleção UFRJ Brasiliana Eletrônica (www.brasiliana.com.br).
Assim, na leitura do livro “Visitantes do Primeiro Império”, no qual o autor Cândido de Melo Leitão reune informações de viajantes estrangeiros, publicado em 1932, pela Companhia Editora Nacional, encontramos testemunha ocular de nossas origens. São palavras do referido autor, no IX capítulo, intitulado: “Rio de Janeiro: seus arredores — Friburgo por ocasião de sua fundação”:
“Das pequenas excursões feitas pelos passageiros das covertas a pontos próximos do Rio, a mais interessante é a de Quoy a Friburgo, quando La Physicienne aqui aportou, já de torna-viagem.
“O governo do Cantão de Friburgo solicitou do rei de Portugal, em 1818, o estabelecimento de uma colônia de suíços no Brasil, e capitalistas se encarregaram do transporte, até a baía do Rio de Janeiro, de cem famílias, com todos os seus bens e utensílios. O rei, desejando ao mesmo tempo animar a cultura e aumentar o número de habitantes do Brasil, concedeu um auxílio de 100 piastras espanholas para as despesas de passagem e nutrição de cada indivíduo.”
Relata Cândido Leitão que apenas dois barcos chegaram salvos e em paz no Rio de Janeiro, dentre outros que naufragaram, encalharam ou retornaram. Continua ele: “As moléstias que os acometeram a bordo continuaram em terra, e com tanta violência que a nossa colônia em pouco era vasto hospital. Apesar dos desvelos do Inspetor da mesma, Pedro Machado de Miranda Malheiros, grande chanceler do reino, dos 2.300 suíços partidos, restaram pouco menos de 1600.”
O naturalista Quoy (Gaimard) assim descreve a colônia:
“Cem casas construídas com asseio e regularidade, compostas de cerca de vinte corpos de apartamentos separados, cada qual com quatro peças, reúnem todos os habitantes. A metade destes edifícios forma, na entrada do vale, uma praça quadrada onde os olhos são desagradavelmente impressionados pelo aspecto de um pelourinho; mas é o uso do país. Na outra extremidade da cidade, do lado de Cantagalo, há outra praça e uma rua bem larga, onde mora o inspetor; à esquerda, em colina mediocremente elevada, a Real Fazenda do Morro Queimado e várias outras casas onde residem o médico, o farmacêutico, o vigário, o juiz etc. Todas as casas têm um jardim, mas não pertencem aos colonos, sendo cedidas por empréstimo e por certo número de anos, passados os quais se supõe que sua indústria lhes tenha fornecido os meios de construírem outras, ficando as primeiras para novos habitantes.
“Deve-se ainda a esse senhor Miranda, sob este aspecto, a existência de Nova Friburgo. A princípio o solo era inteiramente coberto de grandes árvores e foi preciso arrotear espaço suficiente, coisa não menos longa que penosa. Por essa ocasião fizeram vir do Rio de Janeiro e de Minas Gerais os pedreiros, carpinteiros e obreiros que tiveram de procurar no lugar o que era conveniente para construir novas habitações.
“Os alojamentos foram distribuídos por famílias, mas, como estas não eram todas compostas de um mesmo número de indivíduos, completou-se o cômputo desejado, reunindo numa mesma casa as pessoas que melhor convinham. Esse método foi igualmente adotado para a divisão das terras, sem que houvesse, entretanto, comunhão; cada pessoa recebeu, ao chegar, uma geira quadrada de terra. Dando-lhes logo essa arca, muito mais considerável que a que podem cultivar, pensou-se mais no futuro que no presente. Cada lote por família foi tirado à sorte, de modo que certos colonos foram obrigados a ir morar a 5, 6 e até 8 léguas de Nova Friburgo, sendo a intenção do rei que os colonos fiquem em suas terras e não concentrados na cidade.
“No momento de nossa chegada, em agosto de 1820, estavam os suíços a dois ou três meses na posse de suas terras. A primeira coisa que tiveram de fazer, e a mais difícil e mais penosa, foi abater as árvores, queimá-las e preparar uma extensão de terreno suficiente para cultivar o que era estritamente necessário à própria família, porque o subsídio de 160 réis ou um franco por dia, dado a cada indivíduo durante o primeiro ano, e meio franco durante o segundo, mal chegava para o pão, e como essa gratificação devia cessar muito em breve, era preciso que cada chefe de família se esforçasse por obter de outro modo os meios de subsistência.
“O inverno é a estação mais propícia para o preparo do terreno, porque então não vêm as chuvas, que caem em outras épocas. Por isso exortava-se sem cessar aos colonos que aproveitassem a boa estação.
“É na encosta das montanhas que as culturas têm maior sucesso. A terra virgem aqui encontrada é, na realidade, húmus preto, muito leve, ao qual não é necessário fazer sofrer grandes preparativos. Instrumento extremamente simples, consiste de um pedaço de madeira achatado, como se vê nas ilhas Sandwich, basta para abrir os sucos destinados a receber as sementes. Tudo, nesta terra feliz, prospera de modo extraordinário.
“Como há ainda muito que fazer aqui para melhorar os processos de cultura, aconselhou-se aos colonos suíços que imitassem primeiro os brasileiros, até que a comissão estabelecida pelo inspetor, e composta de homens esclarecidos, tenha determinado, por experiências preciosas e cuidadosas, feitas in loco, qual o sistema agrícola que deve ser seguido de preferência.
“Vários estabelecimentos, muito necessários a Nova Friburgo, tinham sido projetados. A escola, onde se ensinariam as crianças pelo método de ensino mútuo, era ainda provisória, mas propunham-se a construir um colégio, uma igreja e um hospital à margem do rio e o domingo seguinte, 6 de agosto, estava fixado para lançarem-se os alicerces desses edifícios.
“A 6 de agosto reunimo-nos na capela, onde já estavam postos, em duas filas, as crianças de um e de outro sexo, entre as quais havia trinta e três que tinham escrito no chapéu a palavra — órfãs. Essas pobres criaturas encontraram no Senhor Miranda um segundo pai, que as adotou e vestiu inteiramente a sua conta. Dizem-me que esse belo exemplo foi seguido pelo tenente-coronel Nascentes Pinto, que criava também quatro crianças do mesmo modo.”
O Naturalista Quoy relata ainda ter presenciado pronunciamento do Dr. Bazet, ter ouvido missa e participado de jantar de comemoração na casa do Monseigneur de Miranda, “é assim que, por festas nas quais os suíços tomam parte, esse respeitável inspetor os prende à sua nova pátria, e lhes faz insensivelmente perder a lembrança da que deixaram; mas seus benefícios não ficam limitados aí, sendo raro que, saindo de casa com as algibeiras cheias de dinheiro, volte sem o ter distribuído”.
“Disseram-me todas as pessoas instruídas da colônia que sem essa excelente pessoa, cujo emprego é puramente honorífico, a mesma, ferida de morte desde sua origem, teria fracassado; de modo que foi exclusivamente por seu crédito que conseguiu obter da Corte tudo o que era necessário à colônia que dirige. Talvez, por sua providência e generosidade, se vejam sair um dia de Nova Friburgo os elementos de alguma outra importante colônia que se tornará assim a riqueza e a glória do Brasil, bem mais que suas minas de ouro e seus diamantes.”
O autor do livro Cândido de Melo Leitão assim se expressa: “Transcrevo essas considerações, talvez um pouco longas, sobre a nascente colônia porque, escritas por uma testemunha ocular, formam interessantíssimo documento para sua história”.
O livro realmente é importante documento da nossa história, mas não se restringe apenas aos colonos, pois ressalta a importância dos brasileiros aqui residentes, tanto na inspeção da colônia, quanto nas orientações no trato da terra.
Dizer-se que D. João VI assinou o Decreto de criação da colônia de Nova Friburgo, com a intenção de substitui o trabalho escravo, escolhendo colonos suíços que desconheciam as condições da terra, e muitos deles, desconheciam a árdua tarefa de trabalhá-la, não condiz com as declarações do autor; nem do que consta às páginas vinte e quatro do Livro “A Imigração Suíça no Brasil”, de Joseph Hecht, na tradução do Pastor Armindo L. Müller, ou do que está relacionado na Coleção das Leis do Império do Brasil de 1818, Biblioteca do Senado, (www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publica/doimperio), onde verificamos: “Carta Régia de 2 de maio de 1818. – Annue à solicitação do Cantão de Freibourg para o estabelecimento de algumas famílias suissas neste Reino do Brazil”.
Antes da vinda dos colonos, foram publicadas as “Providências para a jornada da Colonia Suissa desde o Porto do Rio de Janeiro até á Nova Friburgo em Morro-queimado no Distrito da Villa de S. Pedro de Canta-gallo; dadas em consequencia das Ordens de Sua Magestade; por Pedro Machado de Miranda Melheiros, Chanceller Mór do Reino”,(ortografia da época; www.brasiliana.usp.com.br), nas quais encontramos, entre outras, as que “todos aqueles edifícios acham-se em uma boa e fértil planície, à borda dos Rios de S. Antonio, do Cônego e das Bengalas e a todas as casas é fácil levar água dos mesmos rios”, ou seja, nossos rios já tinham as denominações atuais. A cidade que conhecemos, com seus rios, encostas, terra propícia à lavoura, já existia antes dos colonos.
No Livro “A Expedição do Acadêmico G.I.Langsdorff ao Brasil, 1821-1828”, de G.G. Manizer, podemos observar que a emigração se tratava de um bom negócio: “O governo, que antes só cuidava dos interesses da Metrópole, passou a fomentar por todos os meios a colonização. Em 1818 elaborou-se o primeiro contrato (Gachet) para o estabelecimento de imigrantes, no qual se previa remuneração dos gastos de viagem, a concessão de terra, animais, ferramentas de lavoura e toda espécie de privilégios aos recém-chegados. Entre as Colônias que agora surgiam, alcançou um florescimento particularmente elevado a de Nova Friburgo, fundada em 1819, na Serra dos Órgãos (a 850 metros acima do nível do mar), no Estado do Rio de Janeiro”.
“G.I Langsdorff, com surpreendente e renovado interesse e de acordo com as exigências daquela sociedade, no meio da qual teve que viver e atuar, começou a trabalhar em prol da jovem população brasileira, que tanto o maravilhara desde os primeiros dias de seu contato com o país. Ardorosamente, empreendeu a propaganda pela imigração para o Brasil. Possuindo também, por essa época, propriedade territorial no Estado do Rio de Janeiro, requereu férias do governo russo em 1820, e partiu para a Europa em busca de colonos para suas terras [Langsdorff era cônsul no Brasil].
“As condições que exigia dos colonos eram destinar um dízimo para o governo e um dízimo ao proprietário da terra.
“G.I.Langsdorff mesmo só chegou ao Rio de Janeiro a 3 de março, levando consigo do Sul da Alemanha e da Suíça 80 colonos. Observe-se que nenhum deles pereceu na viagem, o que, para aqueles tempos, era considerado admirável.
“A especulação com os imigrantes já começara, e pouco antes, por culpa dos agentes dos vários bureaux, pereceram em caminho toda uma terça parte de passageiros suíços – circunstância totalmente prejudicial à propaganda que mal começara em favor da emigração para o Brasil.”
Os livros “Visitantes do Primeiro Império”, “A Expedição do Acadêmico G.I. Langsdorff ao Brasil”, “O Rio de Janeiro visto por dois Prussianos em 1819”, dentre outros, constam da Coleção UFRJ Brasiliana Eletrônica, exibida de forma aberta na página www.brasiliana.com.br.
Cento e noventa e três anos depois somos testemunhas, ou partes, do doloroso e vulnerável processo de se reerguer e recomeçar após tragédia. Testemunhas de desmatamentos, florestas e matas ciliares dizimadas, encostas ocupadas, mudanças climáticas, omissões, inércia, pequenas e grandes conquistas, ou projetos mirabolantes, principalmente em área rural, feitos sem a participação daqueles que há mais de século plantam, produzem e fazem essa cidade crescer. Necessitamos, sim, de parques, mas também de árvores na cidade e nas margens dos rios, bem como de solos permeáveis, para contribuir na drenagem das águas.
Perdemos muito tempo esperando o impossível, a liberação de verbas na velocidade das urgências e necessidades das vítimas, e deixamos de fazer o possível, o dever de casa de todas as prefeituras, ou seja, a limpeza e desobstrução dos bueiros, das galerias, de grande número de casas e ruas que ainda estão como amanheceram no dia doze de janeiro. Temos pouco tempo, o inverno já está aí, somente uma primavera nos separa do período das chuvas, e nas condições que nos encontramos, qualquer que seja o volume, estaremos novamente em grandes apuros.
Se em 1850, conforme publicado no encarte de O Globo, Revista da Serra de 14 de maio de 2011, constavam 4810 habitantes, e só 20% de suíços, isso a trinta e dois anos após a fundação da colônia, então restavam 3848 entre brasileiros, portugueses, alemães, que juntamente com italianos, japoneses, turcos, libaneses, húngaros, e tantos outros construíram a cidade que amamos. E, a exemplo do mutirão dos moradores de Córrego D’antas, dos moradores de Duas Pedras, de comerciantes e empresários, com garra, coragem e esforço próprio, começaram a reconstruí-la.
(*) - Bacharel em Direito e Pós-Graduada em Direito Civil
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