Palavreando - Mãos desprendidas - 19 a 21 de março 2011

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 18 de março de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Primeiro foi o olhar, depois a fala educada, até que as mãos se desprenderam, mas no fim foi o tempo...

Quando mãos se desprendem, o um deixa de existir e em dois cada um vai para um lado. E ainda que sigam na mesma direção, caminham sós. Com lágrimas nos olhos e a história guardada na alma, prosseguem porque é do feitio da vida seguir.

Cada vez que mãos se desprendem e dedos se desentrelaçam, um anjo chora e por tanto chorar, morre no céu. Tem suas asas despedaçadas que em forma de chuva encontram a terra, fazem a semente germinar e despojar-se na sua triste jornada de ser rosa que floresce apenas uma vez.

Quando mãos se desprendem, a dor escapa e descolore o sol. Acinzenta os dias e entorpece a inspiração. Envelhece a pele e corrói o coração que em oração pede para ser livre e em sua liberdade nunca mais se apegar. A nada e a ninguém. Pois assim como é bom encontrar, é triste se despedir.

Mas somos reféns do destino e não temos controle sobre tudo.

Às vezes é preciso perder para procurar. É necessário não ter para querer. É imperativo estar perdido para se encontrar. E nos encontramos num esbarrão de esquina e o atropelo é o início da história que se preenche sempre para um fim ainda que repleto de recomeços.

Cada recomeço viaja para um fim, o das mãos que se desprendem, como plumas que soltam da fantasia e bailam continuadamente pelo ar ainda que não seja mais carnaval. A pluma permanece na avenida ainda que a avenida não esteja nem aí para a pluma. Mas não há como passar pelo fim de uma história sem ser tocado por ela. Por isso é cruel o que o tempo faz com a gente. Ele se intromete de uma maneira ou de outra e não há como driblá-lo, ainda que se possa enganá-lo por alguns instantes. Prolongamos a possibilidade da despedida, mas como toda possibilidade, a despedida se torna real. E a realidade é que forçamos a continuidade porque todos nós somos muito carentes. Precisamos de companhia e recusamos o adeus em até breves duradouros demais para serem breves.

Quando mãos se desprendem, as fotos se acumulam na gaveta, esquecidas. E as gavetas se esvaziam para se encher da poeira de saudade que esconde as mágoas que ficaram e encobrem as feridas que se abriram. Não somos tão ingênuos assim para crer que podemos desviar das previsões e aceitar perfeições inexistentes. Precisamos mais do que apenas um do outro.

É triste deixar as mãos escorregarem e ausentarem-se da carícia. É doída essa distância que se abre após o vácuo de mãos próximas que não se tocam mais. As lágrimas presas traduzem o que é ter e ver as mãos se desprenderem para nunca mais se encontrarem, pelo menos não nessa história que se encerra.

É tolice. Não é mediocridade, nem medo. Apenas humanidade. Mãos se desprendem porque laços se rompem. E se desfazem sem garantias de compensações futuras. A solidão visita todo mundo e é preciso ser forte para seguir pelos dias ainda que os dias pareçam que não nos desejem tanto assim. Mas temos que desejar os dias porque podemos domá-los ainda que acabemos por ser aprisionados pelo vacilante destino.

E, assim como é avassalador o encontro das mãos, é avassaladora a transformação que provoca o desprender de mãos que unidas se separam sem qualquer intenção de porvir. Eu só quero ficar sozinho, ainda que odeie ficar só. Mas é só por um tempo até que o tempo me dê de novo o olhar, as falas atropeladas, as mãos encontradas que se encontram para se desprender de novo... Afinal, de uma maneira ou de outra o tempo vence sempre.

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