Antes de qualquer coisa, este novo ano certamente produzirá uma boa quantidade de histórias de redenção, narrativas improváveis de pessoas que superaram as demissões, as execuções de hipoteca e outros desastres de 2010. Elas conseguiram empregos melhores. Fundaram empresas de sucesso. Encontraram tempo para escrever um livro, estudar pecuária, aprender uma nova transação: gerar apenas o tipo de comentário sobre perseverança, autoestima e caráter que pode motivar os que ainda estão atirando coisas na televisão.
O caráter é uma boa coisa para se admirar, claro - quando a tempestade já passou e as amarras já foram consertadas. Mas quando as pessoas estão realmente afundando, devido à perda do emprego, doenças, dívidas ou algum conjunto de problemas, elas não têm ideia de qual a mistura de caráter, conexões e sorte casual será suficiente para sobreviver. Para usar o termo dos psicólogos, eles não sabem quão “elásticos” são, ou qual a real importância da elasticidade. Eu tenho o que é necessário? Ou este buraco é fundo demais? “Assim como em tantas experiências da vida, os humanos simplesmente não são muito bons em prever como se comportarão frente a uma adversidade real”, disse Laura King, psicóloga da Universidade do Missouri.
Os pesquisadores também não são muito bons com isso. Está claro que, com o tempo, a maioria das pessoas consegue se recuperar psicologicamente até mesmo de perdas devastadoras, como a morte de um cônjuge; mas as reações ao mesmo golpe variam enormemente, e ninguém pode prever com segurança quem irá melhorar rapidamente e quem irá mergulhar num sofrimento de longo prazo.
O papel dos genes é igualmente incerto. Num artigo publicado online em “The Archives of General Psychiatry”, pesquisadores da Universidade de Michigan analisaram mais de 50 estudos - e concluíram que as variações num único gene determinam a suscetibilidade das pessoas para depressão após acontecimentos preocupantes. Mas uma análise anterior, feita com estudos similares, concluiu que as evidências não eram convincentes.
Novas pesquisas sugerem que a elasticidade pode, pelo menos, se relacionar tanto à frequência com que as pessoas enfrentaram adversidades no passado quanto com quem elas são - sua personalidade, seus genes, por exemplo - ou o que elas estão enfrentando hoje. Ou seja, o número de golpes da vida que uma pessoa recebeu pode afetar sua resistência mental mais que qualquer outro fator.
“A frequência faz a diferença: essa é a mensagem”, disse Roxane Cohen Silver, psicóloga da Universidade da Califórnia, em Irvine. “Cada evento negativo que uma pessoa enfrenta leva a uma tentativa de enfrentamento, o que a obriga a aprender sobre suas próprias capacidades, sobre suas redes de apoio - para aprender quem são seus verdadeiros amigos. Esse tipo de aprendizado, em nossa opinião, é extremamente valioso para confrontos posteriores”, até certo ponto.
Num estudo aparecendo na edição atual de “The Journal of Personality and Social Psychology”, Cohen Silver, E. Alison Holman, também da Universidade da Califórnia, e Mark D. Seery, da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, acompanharam quase dois mil adultos por vários anos, monitorando seu bem estar mental com pesquisas online. Os participantes, um diversificado grupo de americanos com idades entre 18 e 101 anos, listaram todos os eventos perturbadores que haviam experimentado antes de entrar no estudo, e todos os que apareceram ao longo do caminho. Isso incluía divórcios, mortes de amigos ou parentes, doenças graves e participação em desastres naturais.
Ou nenhuma das anteriores: um subgrupo dos participantes, com 194 pessoas, relatou não ter experimentado nenhum item da abrangente lista da pesquisa, com 37 ocorrências. “Nós nos perguntamos: quem são essas pessoas que conseguiram atravessar a vida sem enfrentar nada de ruim?”, disse Cohen Silver. “Seriam elas hiperconscienciosas? Socialmente isoladas? Apenas jovens? Ou elas são realmente únicas?”
Elas não eram, segundo os pesquisadores. Ainda mais estranho, elas não eram as mais satisfeitas com suas vidas. Seu sentimento de “bem-estar” era basicamente o mesmo, na média, das pessoas que haviam sofrido até doze golpes memoráveis. Foram aqueles no ponto médio, relatando de dois a seis eventos traumáticos, que tiveram as maiores notas nas diversas medições de bem-estar, e que mostraram a maior elasticidade em resposta a desgraças recentes.
Em resumo, as descobertas sugerem que a resistência mental é algo parecido com a força física: não se desenvolve sem exercícios, e entra em colapso quando sobrecarregada. Algumas pessoas no estudo relataram ter experimentado mais de 12 acontecimentos graves, e isso era visível. “Essas pessoas estavam realmente sofrendo”, disse Cohen Silver, “e nós não minimizamos a carga de tais eventos quando se está passando por eles. Mas parece que, se você teve diversas experiências como essas, e não em demasia, acaba aprendendo algo”.
Outros pesquisadores que examinaram o estudo foram mais cautelosos. George Bonanno, psicólogo da Universidade Columbia, afirmou que os resultados podem refletir parcialmente uma armadilha da memória. Mais especificamente, “pessoas que estão mais angustiadas tendem a se lembrar de mais eventos trágicos”, disse Bonanno, autor do livro “The Other Side of Darkness” (O outro lado da escuridão, em tradução livre), por e-mail. Apenas isso já poderia explicar a correlação entre a grande quantidade de crises de vida e a atual queda de humor, disse ele.
Mas não explica tão facilmente as correlações na ponta inferior, segundo Seery. “As pessoas no estudo que se lembraram de apenas um evento negativo, ou nenhum, estavam piores do que aquelas com algumas ocorrências graves”, disse ele. “Assim, elas estavam dispostas a admitir que não estavam tão bem, mesmo sem se lembrarem de acontecimentos estressantes da vida”.
A experiência pode oferecer mais que uma ideia do que esperar e de quem são os verdadeiros amigos de alguém. Num recente estudo na revista “Emotion”, pesquisadores da Universidade de Denver e da Universidade de Basel, na Suíça, testaram a habilidade de 78 mulheres em reduzir a quantidade de tristeza que sentiam após assistir a um clipe de vídeo perturbador, usando uma técnica chamada reavaliação. A reavaliação vem naturalmente a muitas pessoas, e é uma forma de “tirar o ferrão” de uma situação ao recompor a forma pela qual ela é compreendida: “Eu não estava com medo de agir, estava inseguro; não possuía toda a informação”. O estudo descobriu que as mulheres adeptas desse tipo de autotratamento eram menos suscetíveis a experimentar sintomas depressivos após crises significativas em suas próprias vidas.
Pode ser que experimentar alguns eventos ameaçadores ou perturbadores refine esses tipos de habilidades psicológicas, no próprio pensamento da pessoa sobre o problema ou em discussões com amigos.
De qualquer forma, o estudo sobre a elasticidade da vida sugere que a dor, a auto-dúvida, a desorientação e a raiva que invadem a consciência frente à perda de um emprego, à execução de uma hipoteca ou a um divórcio podem ter algum lado positivo, mesmo que seja absolutamente invisível na ocasião.
“Talvez a coisa mais fundamental que se aprende com uma experiência como essa é que você pode enfrentar praticamente qualquer coisa”, afirmou King. “Você pensa: ‘Bem, isso pode ter me destruído, mas estou vivo’”.
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