Anselmo Vasconcellos relembra seus tempos de colégio e faz uma reflexão sobre o ensino na vida e na cultura dos jovens
“Agradeço aos professores, coordenadores, inspetores e diretores que me suspenderam, castigaram e me expulsaram dos colégios onde nada aprendi. Foi uma grande chance. Tive muito o que pensar, refletir e mudar.”
Esta frase é fruto da experiência do ator Anselmo Vasconcellos, que entre dezenas de novelas, filmes e peças de teatro diverte o telespectador no humorístico Zorra Total há 11 anos, na TV Globo, onde atualmente encarna o Pai Pedro, do quadro Vamos brincar de quê?. A todo vapor com as peças A Cantora Careca, da qual faz a supervisão da montagem, e Navalha na Carne, que trabalha como diretor, Anselmo encerrou também as gravações do filme O Carteiro, do colega Reginaldo Faria. Mesmo com a agenda cheia, ele sente-se cada vez mais motivado com as aulas que leciona na Escola Rei Ator, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e na Escola Estadual Martins Penna, no Centro. Ao relembrar sua infância no colégio e adolescência na faculdade de medicina, o ator analisa o ensino no Brasil e faz uma reflexão acerca da educação para a formação cultural das próximas gerações. Confira!
Como foi a sua infância na época do colégio?
ANSELMO VASCONCELLOS - Estudei em escolas públicas municipais e estaduais do Rio de Janeiro. Fui um aluno inquieto, com muitas perguntas que não foram respondidas. Debatia-me direto com o ensino padronizado e percebia intuitivamente que não me era ensinado a aprender, e sim a decorar conceitos padronizados pelo acordo de ensino ultrapassado e aplicados por professores autoritários e nada afeitos ou atenciosos aos alunos questionadores. Fui mal compreendido e até maltratado. Minha inquietação me rendia castigos disciplinares. Certa vez foi aconselhado aos meus pais que eu fosse submetido a terapia de eletrochoques.
Quais lembranças você guarda com carinho deste tempo?
ANSELMO VASCONCELLOS - A descoberta do livro do A.S. Neill , Liberdade sem Medo. A leitura contínua deste pensador e educador, criador da Escola Experimental Summerhill, me fez sonhar e trabalhar por outro tipo de ensino e aprendizagem. Me tornei um autodidata e despertei a enorme vontade de iluminar minhas ignorâncias. Aprendi a aprender. Nunca desisti deste prazer e ele cresce continuamente dentro de mim. Igualmente o advento das experiências praticadas no Colégio Estadual Andre Maurois, que atendiam a estes preceitos de romper com o ensino padronizado. Esta escola foi uma marco na cidade do Rio de Janeiro.
Qual foi a maior importância do estudo de base e de que maneira ele se reflete hoje em sua vida?
ANSELMO VASCONCELLOS - A base aproveitável que adquiri foi apenas na breve educação que recebi no Colégio de São Bento, onde fui bolsista de ensino médio, por pedido de minha irmã, que era professora de artes do colégio, e atendimento generoso de Don lourenço, reitor da época. Excelentes professores me fizeram vencer em breve tempo o que eu havia perdido na inadaptação dos colégios públicos da época.
Como o colégio serviu para que você pudesse mergulhar no universo artístico?
ANSELMO VASCONCELLOS - O confronto com a rigidez do ensino padronizado me proporcionou a procura, como ouvinte, de outras fontes de saber e conhecimento. Procurei visitar museus (sobretudo os Domingos da Criação, no MAM, 1971), outras escolas, como a antiga Fefierj, hoje UniRio, a Escola Villa-Lobos, cursos em bibliotecas públicas, onde conheci e estudei com Maria Clara Machado, A Casa do Estudante, onde conheci a doce figura de Paschoal Carlos Magno; o CineClube do DCE, da PUC-Rio, o Teatro Experimental da PUC - O TEP, no qual depois participei como ator, onde conversações com artistas e estudantes me estimulavam a busca pelo conhecimento; o Teatro Ipanema, de Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque, que proporcionava oficinas com grupos de outros países, como o La Mamma, de Nova Iorque, e o Grupo Lobos, de Buenos Aires. E a cultura dos bares e das praias da zona sul (Pier de Ipanema) do Rio, onde conheci figuras notáveis da cultura, sobretudo do cinema e teatro.
Qual a análise que você faz de toda sua formação?
ANSELMO VASCONCELLOS - No início dos anos 70 eu me preparava para o vestibular de Medicina, minha eterna pretensão. Foi aí que conheci uma professora de português, D. Margarida. Ela propunha o teatro como extensão cultural e, num ímpeto, declarei a ela que fazia teatro! Ela pediu então para assistir. Tomei a iniciativa de escrever, produzir e interpretar uma peça teatral, coisa que jamais tinha feito e sem ter qualquer conhecimento. Apresentei o espetáculo a D. Margarida, meus familiares e amigos, que vendo em mim um artista revelado sugeriram que eu me desenvolvesse. Desde então estudo como produzi este feito. Segui o que ali se manifestou e, sobretudo, a fonte intuitiva da qual jamais me distancio.
O que você acha que deveria ser feito na educação para melhorá-la?
ANSELMO VASCONCELLOS - A educação, desde a minha época, continua sendo um ritual de formação de padrões, de matérias obsoletas, de questões e visões duvidosas acerca do mundo que nos atinge. Um programa a ser decorado com um grau mínimo de entendimento sistemático, com sínteses rasas. Deveríamos repensar a educação criando observadores e pensadores. Como alguém pode estudar sem conhecer filosofia, por exemplo? Isto foi banido das escolas! “filo” vem de amizade, em grego, e “sofhia” vem de saber. Portanto, o filósofo é um amigo do saber. Aprender a aprender é o que uma escola deveria ter por base. Construir o conhecimento. Propor conversações sobre como o mundo nos atinge, as origens de nossas civilizações e suas transformações. A biologia cultural, a antroposfera, o habitat humano alimentando e desenvolvendo as mentes na expansão contínua do crescimento, na produção do afeto. Amar e brincar...
Como isso irá influir na vida cultural e social de uma criança?
ANSELMO VASCONCELLOS - Cultura é regra. O colégio, a escola e o educandário deveriam ensinar o conceito desta regra. Como ela se origina, o que atende, o que deve se transformar e como o poder as manipula. Como as civilizações se estruturam socialmente a partir delas mesmas. O que significa contestá-las. Deveriam criar tempos e espaços para a contemplação. Brincar e criar. Brincar é a maior fonte de pesquisas, como nos ensinou o mestre de educação, Piaget. Penso também nos postulados dos banqueiros de Zurich, que dizem que se deveria ensinar a “especular” desde a infância. Aprender economia em exercícios e simulações, por exemplo. Trabalhar o corpo também, dar a ele espaço e tempo para desenvolvimentos e relações dinâmicas de sensibilizações, como o teatro. Estudar e considerar, também, a imponderabilidade que há no mundo e na vida. Teatro deveria ser esporte.
Qual o envolvimento que você possui hoje com a educação e o ensino? De que maneira você acha que ela pode colaborar na vida das pessoas?
ANSELMO VASCONCELLOS - Trabalho na Escola Estadual de Teatro Martins Pena, no Rio de Janeiro, desde 1988. Todos esses anos são perguntas contínuas, desejos de aprender o que já foi feito, o que se está renovando e o que vai nascer. Junto-me em encontros com pessoas das mais variadas idades e classes. Juntos, dinamizamos a inteligência coletiva. Simplicidade, companherismos e afetos produzem o olhar, a observação e o desarme do medo, a nós imposto pela formação colonial e pela religiosidade autoritária e corrupta. Trabalho também em workshops pelo país. Percorri, por exemplo, a serra gaúcha, a convite do Sesc do RGS. Estou atendendo a convites para palestras e oficinas.
Qual recado você daria para o nosso país, em nome da educação?
ANSELMO VASCONCELLOS - Educar é amar.
Que recado você deixa para os leitores que são mães e pais e estão preocupados em como direcionar a educação dos seus filhos?
ANSELMO VASCONCELLOS - Revisar o próprio conceito de ser pai e mãe. Não impor. Dialogar com igualdade. Saber que nossa experiência não é superior ao novo que eles representam. Aprender juntos. Reaprender com eles.
Se você pudesse mudar hoje uma coisa nas escolas, o que mudaria?
ANSELMO VASCONCELLOS - Tudo. Mudaria da arquitetura aos programas. Uma escola deve ser viva. Dar vontade de correr para ela. Os gregos criaram espaço abertos para estudar o universo. Havia um bosque cujo nome era uma homenagem a um herói grego, de nome Academos. Eles se reuniam ali, naquele bosque, para conversar, trocar, aprender e especular sobre a natureza e a vida. Tais frequentadores ficaram conhecidos como Academicos, e vem daí a ideia primeira da academia. Quero ainda lembrar uma velha máxima: “Se estas escolas que estão aí fossem boas, não haveria recreios”.
Como foi a experiência de ser diretor da Escola Martins Pena?
ANSELMO VASCONCELLOS - Fui diretor eleito de 1988 a 1990. Uma geração se formou ali! Experimentamos muito e mudamos muita coisa. Fizemos muito teatro, na prática. Oferecemos espaço para o desenvolvimento. Tenho a alegria de trabalhar profissionalmente com alunos que se formaram naquela época, e que são meus colegas hoje.
Para fechar...
ANSELMO VASCONCELLOS - Agradeço aos professores, coordenadores, inspetores e diretores que me suspenderam, castigaram e me expulsaram dos colégios onde nada aprendi. Foi uma grande chance. Tive muito o que pensar, refletir e mudar...
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