Existe um conto africano que diz que todas as histórias pertenciam a Nyame, o deus do céu, e eram guardadas num baú ao lado de seu trono. Até que um dia Kuaku Ananse, o homem aranha, se propõe a comprá-las. O preço de Nyame é alto, mas Ananse, apesar de velho e fraco, é esperto e consegue pagar o preço pedido peplo deus e levar o baú até sua aldeia. Quando finalmente ele abre o baú, as histórias se espalham pelos quatro cantos do mundo, por onde circulam até hoje sendo contadas através de gerações e gerações.
Essa história define muito bem o papel de um contador de histórias; fazer com que as histórias se espalhem pelo mundo. Para um contador, de nada adiantaria um baú cheinho de histórias se ele não tivesse quem as escutasse.
Mas de onde vêm as histórias?Desde quando contamos histórias?Quem são os responsáveis por não deixá-las morrer?
A mim, elas chegaram através de nomes mágicos como: Ouro Preto, Diamantina, Sabará, Formiga, cidades mineiras onde haviam nascido meus avós, que povoavam minha infância e faziam minha imaginação atravessar serras e montanhas até chegar a uma Minas que eu só conhecia pelas histórias contadas ao redor da mesa do jantar.
Quem as contavam? Meus avós, minha mãe, meus tios. Naquelas quentes noites cariocas, eu descobria que eles também haviam sido crianças, que minha avó horrorizava sua mãe correndo com moleques pelas ladeiras de Ouro Preto, ouvia “causos” de parentes distantes, de fantasmas que habitavam casarões e igrejas. Eram lembranças que chegavam como convites a fazer parte da memória da família e eu entendia bem o que esperavam de mim: que eu passasse essas histórias para meus filhos, incentivando-os a passar para seus filhos, que passariam para o seus e assim por diante...
Mas era à noite que eu encontrava minha Sheherazade. Chamava-se Felícia e era minha babá. Pelas suas mãos fui apresentada ao universo dos contos populares. Assombrava-me contado-me seus encontros com sacis, lobisomens, mulas sem cabeça nas noites enluaradas de sua cidade Ponte Nova. Com a mesma naturalidade encantava-me com histórias de Grimm, Perrault, Andersen.Era capaz de cantar xácaras medievais num francês, que hoje reconheço como bem razoável, sem ter a mínima ideia do que significavam. Ensinava-me parlendas, ditados, quadras e um sem número de adivinhas.
De que baú, de que maneira tudo isso chegou aos seus ouvidos será para mim eternamente um mistério.De livros não foi, pois Felícia não sabia ler texto escrito (embora em leitura de mundo ela fosse a mais perspicaz das leitoras!) O fato é que, com ela, eu me tornei leitora aos seis anos de idade e nunca mais parei...
Deixe o seu comentário