Quanta coisa eu contaria se pudesse
E soubesse ao menos a língua como a cor.
Cândido Portinari
Ser leitor. O que é ser leitor? Esta era uma questão que jamais me intrigara. É curioso verificar isso! A leitura configurava-se para mim como uma peça cotidiana, de ação limitada. Lia jornais, revistas, livros, partituras musicais. Enfim, decodificava os símbolos, compreendia-os, interpretava-os... e pronto!
Durante muitos anos trabalhei como professora de música e artes cênicas; fiz incursões no teatro e na dança, e não atentei que, também neste campo, atuando com e através de linguagens outras, eu me constituía leitora. Certo dia fui apresentada a um grupo que trabalhava com promoção de leitura. Tive então a oportunidade de participar de uma “oficina de contação de história”, organizada e desenvolvida por Francisco Gregório e Eliana Yunes, que me proporcionou um encontro muito peculiar com a literatura — obras populares, anônimas, e outras autorais. Que encontro! Que descoberta!
Leitora/narradora dos textos, pude perceber a nova relação estabelecida a partir do momento em que, aproximando-me dos contos, poesias, cartas, oferecendo-lhes a minha voz, o meu corpo, as minhas emoções, ampliava a leitura, não só para mim, mas também para os leitores que me ouviam. E mais, percebia que a música, o teatro e a dança, que até então se configuravam para mim como um ato cotidiano, passavam a interagir, enriquecendo o trabalho da contadora de histórias.
Em meio a tantas descobertas, sentindo uma necessidade maior de buscar informações e conhecimentos fundamentados, cheguei à PUC-Rio para fazer o Curso de Especialização em Leitura. E nesta busca procurando aprofundar-me mais e mais na teoria e nas práticas leitoras, apesar da convivência ainda tão cerimoniosa, alguns teóricos logo me tocaram: Freire, com A importância do ato de ler; Barthes, com Aula e Prazer do texto; Eco, falando do leitor em Os limites da interpretação e Lector In Fábula; Le Goff, com História e Memória; Benjamin, com O Narrador.
Outros pensadores e escritores ampliaram meu acervo, me deram chão por onde caminhar: Jorge Luís Borges, Ítalo Calvino, Guimarães Rosa, Adélia Prado, Bartolomeu Queirós, Marina Colasanti, Florbela Espanca, contadores populares... E assim... ouvindo, lendo e contando, trilhando o caminho prazeroso da Leitura, fui descobrindo o que é ser leitor.
Ana Maria Pereira é professora, musicoterapeuta, especialista em Leitura pela PUC-Rio e contadora de histórias
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