De repente, você acorda e vê que a paisagem não está como deveria estar. É o imprevisto que faz você se molhar, mais do que propriamente a intenção de estar preparado. Na vida, nem sempre é possível simplesmente levar consigo e abrir o guarda-chuva. É impossível estar preparado para tudo.
O sol tenta irromper as nuvens que se dissolvem sobre as folhas que, brilhosas, sonham em ser carnaval. Entre um vácuo e outro o dia fica claro, mas bem menos claro que as manhãs de dezembro.
Por mais que você não tenha guarda-chuva é preciso continuar, avançar mesmo se molhando, porque há compromissos por se cumprir, metas com os dias, tarefas com a vida, pactos com as pessoas.
Eu sei, você sabe, todos nós sabemos, por experiência própria: às vezes, a cabeça pesa no tronco. Mas por mais que falte simetria é preciso seguir, aceitando, duvidando, corroendo e corroendo-se, em qualquer manhã, mesmo nas manhãs de pouco sol e poesia.
E flerto com a agonia da poesia que se fez ontem para ser mais prazerosa agora, porque a saudade é difícil de se largar, justamente pela impossibilidade de se repetir. Nem sempre tenho o que preciso, nem sempre faço o que quero, mas insisto.
É manhã de chuva, mas ainda sim é manhã. Manhã que começa se estendendo pelas horas que flutuam na paisagem cinza que se colore, pouco a pouco, com a vida que transborda em conversas de becos e avenidas, até mesmo naquelas de gente conversando sozinha e também naquelas que os gestos fazem discursos eloquentes.
É vida cretina, mas ainda assim é vida. Vida que acontece sem que eu necessariamente aconteça. A vida está lá e vai estar na manhã de sol a pino, na tarde de chuva, nas noites de tempestades, de janeiro a dezembro...
E posso enxergar beleza nessas manhãs de chuva em que os pássaros cantam para se encontrar num abrigo. Todos procuram abrigo, ainda que em marquises velhas.
E posso fazer o novo porque a chuva lava as calçadas e as ruas, a espera acalma o coração, a pressa evita a perda de tempo e as lágrimas lavam a alma, tanto quanto os sorrisos limpam o espírito.
Corro ou espero?
Finjo amnésia para dizer que não vi. Vejo mais do que outros para fingir que senti. Esqueço o passado para conviver com o presente. Distribuo flores por um futuro bom. E digo, por fim, que essa coisa de tempo não me perturba, ainda que me intrigue, ainda que me surpreenda na minha inequívoca escolha de não estar preparado.
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