Quem tem medo do lobo mau? A Chapeuzinho Vermelho, os três porquinhos, os sete cabritinhos, você e eu.
Uma vez perguntaram ao folclorista Câmara Cascudo se ele acreditava em lobisomem. Ele respondeu: “nesta sala iluminada, conversando com você, não acredito não, mas em noite de lua cheia, sozinho no mato, meu amigo... acredito sim, e você também!”
O medo está presente em nossas vidas desde que nascemos. Medo de bicho-papão, de alma penada, de escuro, de não sermos amados por nossos pais, são apenas alguns dos lobos infantis que povoam nossa infância. São os acalantos e as histórias infantis que nos ajudam a apaziguar esses uivos da nossa imaginação.
Com ouvidos adultos, parece-nos bem pouco provável que uma criança adormeça ouvindo:
“Bicho-papão, em cima do telhado, deixa meu menino dormir sono sossegado.”
Mas o fato de um adulto compartilhar com ela o conhecimento da presença do monstro, aliado ao aconchego e à voz que a embala, dá-lhe a certeza de não estar sozinha e a faz relaxar.
Também, as histórias de fadas que vêm sendo contadas através dos séculos nos preparam para os perigos da vida.
Ouvir que a madrasta inveja a beleza de Branca de Neve; que o Pequeno Polegar consegue vencer um gigante; que Dona Baratinha, após a morte de D. Ratão, volta à janela à procura de outro noivo; que João e Maria sobrevivem apesar do abandono de seus pais, é sinalizar que nem tudo está perdido.
É saber que não somos os únicos a sentir inveja, que mesmo a força poderosa de um gigante pode ser vencida, que podemos superar perdas e que, mesmo nossos pais, são capazes de sentimentos ruins.
Quando mudamos as estruturas destas histórias numa tentativa de torná-las menos tristes, tiramos das crianças a oportunidade de vivenciar seus medos, compartilhar com os personagens seus sentimentos menos nobres, enfim, acalmar seus lobos.
É preciso vencer o medo de falar do medo. Ouvir sobre monstros imaginários, nos fortalece para lidar com medos reais. O diálogo aberto, a história bem contada, a leitura compartilhada, nos permitem olhar os lobos de frente e construir casas resistentes que não caiam com um mero sopro, atravessar florestas sem dar conversa a estranhos, saber a quem devemos, ou não, abrir a porta de nossa casa e nos mantermos alertas à aproximação das feras.
Aí sim, como dizia Cascudo, só sentiremos medo de lobos e lobisomens no meio do mato, em noite de lua cheia, e não nas salas iluminadas.
Maria Clara Cavalcanti –
contadora de histórias
do Confabulando e subsecretaria Pró-Leitura
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