Há algum tempo lançaram uma campanha de promoção de leitura que dizia: “Ler é a maior viagem”. Nada mais certo. Iniciar um livro é se aventurar por terras desconhecidas.
Então, se concordamos que ler é a maior viagem, porque não incentivar a leitura com os mesmos cuidados de um agente de turismo que expõe roteiros de viagem variados, para que seu cliente escolha o que mais lhe agrada? Sua primeira preocupação é procurar traçar o perfil de seu cliente para saber o que lhe oferecer. De quanto tempo dispõe? Qual o propósito da viagem?
A indicação de um livro requer os mesmos cuidados. Quantas leituras são mal sucedidas por serem sugeridas quando o leitor ainda não estava pronto para aquela aventura ou não tinha ainda o fôlego necessário para aquele percurso?
Imaginem uma agência de viagens literárias com folhetos-convites espalhados sobre o balcão:
“Passe horas inesquecíveis no mais aconchegante livro que você possa imaginar: Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Hotel:Sítio do Pica-Pau Amarelo. Excursão: Reino das Águas Claras”.
Ou:
“Desfrute da companhia de deuses gregos percorrendo os três volumes de Mitologia Grega, de Junito de Souza Brandão. Hotel: Monte Olimpo. Excursão: Hades ( retorno assegurado pelo barqueiro Caronte)”.
Um agente de viagem literárias estaria sempre a postos para mostrar a variedade de opções sem tentar impor ao viajante esta ou aquela viagem.
Impor um livro a uma pessoa é fazê-la embarcar numa viagem com grande chance de ser um fracasso. Alguém que não suporte o sol terá tanto horror de ir a Bali quanto uma criança recém-alfabetizada diante de um livro de Conan Doyle (que provavelmente a fascinará anos depois).
Pendurado em local visível e assegurando “satisfação garantida ou sua viagem de volta”,(ou seja, ao primeiro sinal de ter embarcado na viagem errada volte e embarque noutra), estariam os direitos imprescritíveis do leitor de Daniel Pennac:
1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo1 * (doença textualmente transmissível).
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar.
Assim, nosso viajante se sentirá seguro para escolher suas leituras e embarcar, de malas prontas e passaporte carimbado, nesta grande viagem que é a leitura.
Maria Clara Cavalcanti – subsecretária Pró-Leitura.
1 Alusão à personagem Madame Bovary, do livro homônimo escrito por Gustave Flaubert. Criada num ambiente rural onde nada acontece, Bovary se entrega à leitura como uma maneira de escapar deste cotidiano sem graça, deixando-se levar pelas emoções dos textos.
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