Palavreando - Ruas - 28 a 30 de agosto.

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
por Jornal A Voz da Serra

É tanta gente pela rua. Gente bonita, feia, nova, velha, interessante, estranha, rostos conhecidos, familiares, famosos, gente de todo tipo, de todo estilo, uma multidão de opostos e iguais que é isso tudo e nada disso de acordo com o que cada um vê nas mesmas ruas de mesmas pessoas, só que com percepções e expectativas diferentes. Gente como a gente igual aos outros. Tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que fica difícil escolher com o que flertar, a que cena se apegar, a que passo corresponder, a quem seguir.

É o céu nos paralelos, bailando a poeira de estrelas que é cada pessoa.

O vendedor de cocadas para no sinal de trânsito para aguçar o doce que é a vida. O guarda orienta o melhor caminho, pensando na filha que deixou em casa. O velho e a velha namoram no banco provando a resistência do amor. Outro senhor solitário é auxiliado por uma ajudante a caminhar pelas calçadas e sem nada dizer grita para o mundo a saudade que tem dos tempos em que por aquelas mesmas ruas andava independente. Os irmãos correm um do outro, caçam pombos e fogem da mãe que contempla à distância o orgulho de ter filhos que se amam. O jovem casal passeia de mãos dadas, ele na frente correndo para o futuro incerto e ela atrás, querendo ser aquele instante de segurança. O menino conversa com a menina como melhor amigo, mas ela desvia de seus olhos e não lê e não percebe que ele está apaixonado por ela. E nas ruas o amor acontece, se declara tanto quanto se esconde.

É o céu nos paralelos, bailando a poeira de estrelas que é cada pessoa.

A mulher fofoca com a outra, cria intrigas e fala de quem nem conhece. A amante chora por dentro ao ver o amado feliz com a esposa e os filhos. O motorista estressado xinga a senhora de quarenta e poucos que desatenta não percebeu a velocidade a que vinha. Ela, paciente, sorri, se desculpa e com o sorriso aberto o desmonta. O garoto acaba de ganhar uma armadura de super-herói e levanta sua espada para uma luta imaginária contra os inimigos do mal. Os trabalhadores de uma obra assobiam para a jovem de corpo escultural que gosta do elogio ainda que deselegante. Ela pensa no menino da academia que por sua vez flerta com a instrutora com quem almoça todos os dias.

É o céu nos paralelos, bailando a poeira de estrelas que é cada pessoa.

O rapaz traga seu cigarro e joga a fumaça para cima como se pudesse nela dispersar sua ansiedade. O pai de família olha para o relógio e corre para casa com as sacolas da padaria. Os amigos brindam a vida na mesa improvisada, sem saber que antigamente os reis faziam isso em demonstração de confiança. Para selar acordos, os reis brindavam para que se caso um copo estivesse com veneno, ambos o tomariam. Os três velhos amigos repetem o ato em outra esquina, cumprem a promessa feita há décadas, de que no velório de cada um dos sete amigos, os que ficavam iriam para o mesmo bar, enviar bons votos ao amigo que foi. Os três já pensam: quem serão os dois restantes? A quem caberá o infortúnio de ter que fazer isso sozinho, encerrando o pacto.

É o céu nos paralelos, bailando a poeira de estrelas que é cada pessoa.

E as ruas vão tendo prédios mais altos, casarões antigos sendo restaurados com seus azulejos portugueses. Mais cinza e menos verde. Mais verde e menos cinza. Modernidade se misturando com valorização do passado. As estações se alternam, as frutas caem, as flores murcham e renascem. Os casacos saem das vitrines para dar lugar às camisetas, bermudas e biquínis. Até os personagens se alteram, mudam e se misturam, crescem, envelhecem, desaparecem. Mas as mesmas histórias se mantêm de maneiras um pouco diferentes. Acontecem todos os dias, em todos os tempos, em todas as ruas, mas sempre únicas, porque cada história é uma.

O bombeiro atende a moça com mau súbito, o cão leva o cego que apesar de preso a uma correia nunca se sentiu tão livre, o casal de velhos namora à luz da lua, chegaram a 50 anos de casados por um pouco de comodismo talvez. O garoto brinca com seu carrinho, o motoqueiro apressado corta os carros, a esposa ao lado do marido paquera o jovem sarado, a estudante pede conselhos ao amigo... Ela gosta dele, mas não entende o porquê de sua recusa e ele por sua vez tenta lhe mostrar, sem se revelar, que na verdade gosta de garotos. Os amigos se abraçam, colocam a mão um no ombro do outro e sem dizer nada, selam no olhar que nestas ou em outras ruas estarão sempre juntos, lado a lado, se acompanhando pelo céu de paralelos, como autênticas poeiras de estrelas que unidas brilham mais do que todas as estrelas do universo juntas.

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