O mundo pós-orgânico
“A vida vem se tornando cada vez mais
um elemento manipulável em sua gênese...
O mais difícil continua sendo, como sempre,
ter de depositar confiança na sensatez humana”
Foi notícia recentemente a criação da primeira forma de vida sintética – um organismo cujo DNA fora fabricado por um programa de computador. Pela primeira vez na história os seres humanos foram capazes de fazer isso. Fruto do trabalho de 15 anos, liderado pelo geneticista americano Craig Venter, o feito agora abre portas para usos práticos e lucrativos dessas novas formas de vida. A equipe de Venter já foi contratada pela Exxon Mobil para desenvolver algas para capturar o CO2 da atmosfera e transformá-lo em combustível.
Este é só mais um capítulo do notável avanço biotecnológico deste século. A vida vem se tornando cada vez mais um elemento manipulável em sua gênese. E essas descobertas e in(ter)venções são de praxe anunciadas ao público como promessas de um mundo melhor: o controle sobre a natureza (aumento na produção de alimentos, combate às pragas, plásticos biodegradáveis, bactérias comedoras de lixo etc) e o aumento da potência do homem (saúde, estética - e quem sabe no futuro - traços de humor, inteligência, comportamento etc).
Mas nem tudo é alegria no mundo da biotecnologia. Pois se conseguimos controlar facilmente as características de um ser vivo, também podemos perder o controle sobre ele de maneira igualmente fácil. Seres microscópicos geneticamente programados podem proliferar de maneira não programada pelo homem. E pior ainda: podem sofrer mutação genética – este evento tão presente na história do planeta! – e passarão a desempenhar funções e comportamentos diferentes do programado.
Também é importante mencionar aqui a questão das patentes. As modificações genéticas estão sendo patenteadas pelas corporações globais. Significa que, em breve, estas terão domínio majoritário sobre os aspectos da vida no planeta. Usando as palavras de Jeremy Rifkin, autor de O Século da Biotecnologia, as patentes darão a elas “um poder sem precedentes de ditar os termos pelos quais nós e as futuras gerações viveremos”. É o controle sobre nossa própria evolução.
Essas questões levantadas aqui são muito sérias e merecem atenção e troca de ideias. Para isso, não poderemos tratar uns aos outros como ‘retrógrados’, de um lado, e ‘sem ética’, do outro, simplesmente. Existem benefícios e riscos nesse processo que estamos vivendo hoje e que implicam questões políticas e econômicas profundas. O mais difícil continua sendo, como sempre, ter de depositar confiança na sensatez humana.
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