Permitir-se
O olho do furacão não é uma ilusão ou metáfora. Não está distante, nem perto. Estamos dentro dele sempre e ele está dentro da gente provocando um turbilhão de coisas boas e ruins que nos fazem mal e também bem. A vida se faz no olho do furacão que se move no seu tempo, respeita o tempo, se alimenta do tempo para por fim vomitar o tempo... O que se fez e que não se fez, o que se permitiu e o que não se permitiu.
Se permitir. Às vezes, somos desatentos e nos esquecemos de nos permitir. A felicidade e a tristeza existem. A paz e a dor existem. E a vida é essa experiência sempre inacabada em sentir e o que sentimos, ainda que desapercebidamente é o que nos transforma. Somos seres em eterna transformação, em evolução, em ebulição constante sem evaporar. Não precisamos evaporar, só precisamos nos permitir.
Permitir-se sentir a dor e a paz, porque só chega a paz quem um dia soube o que é a dor. Permitir-se sentir a felicidade explodir no peito, porque só é feliz quem um dia teve o conhecimento do que é tristeza. A vida não é uma linha reta constante. A vida se faz de muitas variáveis, repletas de oportunidades, mas sempre resultado de nossas escolhas. A vida se faz em curvas tranquilas, outras mais perigosas. Não dá para seguir sempre em velocidade máxima, nem dá para sempre seguir em marcha lenta. É preciso dosar os passos, como é necessário correr riscos. Ganha-se, perde-se, decepciona-se e surpreende-se. É assim para todo mundo, mas é preciso permitir-se. Permitir-se falar sem medo de dizer. Permitir-se silenciar, sem receio de falar tudo o que sempre quis. Permitir-se ser si mesmo... Permitir-se ser abraçado e abraçar, ser amado e amar, ser feliz e fazer alguém feliz.
Não há outra finalidade que não a de ser feliz. Ser feliz, sabendo que nem sempre se poderá ser feliz. Se assim fosse, não daríamos valor à felicidade. É preciso perdê-la de vez em quando para saber por ela ser abençoado.
É como a saudade. Só pode sentir saudade quem um dia soube o que é ter algo ou alguém. Esses intervalos de ausência de alguém ou de um momento nos dão a certeza de que estamos vivos e daquilo que queremos exatamente. A saudade nos concede o privilégio do discernimento. É preciso se permitir sentir saudade...
Permitir-se, permitir-nos ser arrebatado pelo tempo e pelas pessoas. É preciso se permitir confiar nos outros e crer que pode dar certo, ainda que de um jeito imperfeito, mas que seja perfeito enquanto há o respeito, o valor dado e recebido.
Permitir-se tentar ainda que tudo e todos digam que não dá! Permitir-se o atrevimento e também o recolhimento. Permitir-se ter fé nas tempestades e na bonança. Permitir-se ficar sozinho e também no meio da multidão desconhecida. Permitir-se o cansaço e o esgotamento de energia. Permitir-se conversas de ventilador e também palavras que não se esquecerá. Permitir-se promessas de ser feliz.
Ninguém nos deve o consentimento da permissão a não ser nós mesmos. Ninguém pode nos proibir de nada, a não ser que se tenha escolhido dar esse direito a outro alguém. Mas o dom de julgar não é uma tarefa fácil e por isso mesmo é que se pode se permitir a liberdade de observar evitando a interferência naquilo que achamos conhecer, mas que de fato não sabemos. A natureza, a vida de cada um segue um fluxo de acordo com suas permissões. Cada um sente de um jeito e coloca isso para fora de uma maneira própria. É preciso se permitir o respeito a isso, o que não quer dizer que se permita amar sem lealdade, amar sem confiança, amar sem receber, amar sem ser mútuo o amor.
Permitir-se. Permitir-se ter, ainda que por poucos instantes, permitir-se doar-se ainda que isso seja constante. Estamos no olho do furacão e não dá para escapar dele fugindo. É preciso admitir que nada é fácil e nem tão difícil assim, a não ser o poder de decidir o que se permite e o que quer se permitir...
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