Multitude - 22 de maio.

Por João Clemente Moura
sexta-feira, 21 de maio de 2010
por Jornal A Voz da Serra

A música da América

“Não quero dizer que a África desconhecia a melodia nem que a Europa desconhecia os ritmos, mas houve no continente americano um encontro fantástico entre esses dois universos, criando um terceiro ainda mais rico e interessante.”

A música clássica é europeia. A música moderna é americana. Toda inovação musical do século XX nasceu, se inspirou ou se desenvolveu neste continente. Grosso modo, o elemento que desencadeou essa profusão de estilos novos foi o tambor africano. Utilizado em conjunto com os instrumentos da tradição europeia, ele deu um novo sentido às melodias e harmonias. Não quero dizer que a África desconhecia a melodia nem que a Europa desconhecia os ritmos, mas houve no continente americano um encontro fantástico entre esses dois universos, criando um terceiro ainda mais rico e interessante. E não se deixem enganar: foram os negros que fizeram isso. Eles que inventaram o ragtime, o jazz, o blues, o samba, a salsa, o rock, o hip-hop, o funk, o reggae, etc. Música moderna é black music.

Somente o tango me parece uma exceção digna de ser mencionada. Porém, é um ritmo ainda arraigado à tradição popular europeia. Deixemo-nos então apenas como uma exceção.

Quanto à música eletrônica, afirmam alguns que ela nasceu na Alemanha mas, controvérsia à parte, pouco importa: ela só se tornou o que é hoje nos subúrbios de Detroit e Chicago dos anos 80.

E por causa da música eletrônica começou-se a desenhar o que nós vivemos hoje no século XXI. Os teclados, sintetizadores e computadores passaram a fazer parte da maioria das produções musicais. Dos artistas de vanguarda como Animal Collective a qualquer musiquinha farofa americana ou caribenha, o campo de experimentação e inovação hoje se dá no universo eletrônico. Até as bandas de rock. Até os ritmos brasileiros: o funk carioca é música eletrônica, o tecnobrega é música eletrônica; mesmo os forrós populares são tocados hoje com tecladinho.

A música eletrônica não vai dominar o mundo, mas ela certamente chegou para ficar, e contribui para a riqueza de timbres (sonoridades) de forma muito generosa. Vejamos como exemplo a canção My Humps do Black Eye Peas.

A título de curiosidade, a personagem de My Humps é uma mulher que cultua seu corpo, gosta de joias e roupas caras. Enquanto enumera nomes de grife, o coro de homens lamenta no refrão: "Ela me faz gastar..." E ela responde em seguida: "Você gasta o seu dinheiro comigo". No final da canção: "Eu vou fazer você trabalhar".

My Humps é uma obra-prima que talvez não encontrasse sua força plena se composta para piano e orquestra. (Bom, talvez alguém até faça uma adaptação interessante...) O que estou querendo dizer é que a batida e os timbres eletrônicos da música são os elementos que a fazem ter sua personalidade, seu ritmo hipnótico e sua intensidade dramática – numa simplicidade minimalista que faz Philip Glass parecer muito complexo! Hoje temos, com a eletrônica, maneiras mais fáceis e diversificadas de expressão. Pena que, se o povão gosta e as meninas dançam, a música não é levada tão a sério.

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