O Big Brother da vida real (ou, Cuidado, não sorria, você está sendo filmado)
“Senhor Silva, o senhor não está autorizado a permanecer no corredor agora. Por favor, volte a sua sala de trabalho. Obrigado pela compreensão”
Antigamente a gente dizia ou fazia qualquer coisa com a relativa certeza da efemeridade, exceto pelas fofocas e piadinhas futuras. Hoje, graças à vertiginosa proliferação de aparelhos gravadores de áudio e vídeo, tudo se tornou registrável, e aquele momento constrangedor que você certa vez protagonizou estará disponível para o mundo inteiro assistir, podendo até mesmo virar hit da internet.
Mas isso é só a faceta tragicômica da questão, pois a cibernética vem sendo cada vez mais uma parte indissociável das nossas vidas em diversos aspectos. Não podemos ignorar a capacidade sobre-humana do meio digital de armazenar, processar e transmitir informações. As relações sociais, intermediadas pela tecnologia, passaram a ser também contabilizáveis, registráveis, on the record, em emails, messengers, telefonemas, compras com o cartão, saques, vídeos de prédios, lojas e ruas; chips, transponders, etc etc. O processo que nós vivemos hoje é de uma intensa documentação das relações humanas, levando a profecia de Deleuze a um patamar concebível somente na ficção de Orwell e Burroughs. A mudança é visível no cotidiano dos famosos, no Judiciário e nas questões de segurança dos Estados.
E esse é só o início da conversa, pois o Iraque, ao longo desses oito anos de ocupação americana, vem sendo usado como um grande laboratório no desenvolvimento de tecnologias que detectam insurgentes através da análise de movimentos e atividades registrados em vídeo (em tempo real), sistema este automatizado, ou seja, sem a participação efetiva de sujeitos operando os computadores. De acordo com o Pentágono, o leque de atividades iraquianas catalogadas no programa incluem: “cavar, pegar alguma coisa no chão, arremessar, explodir/queimar, carregar, andar, correr, fumar, gesticular, reunir-se em grupo, dispersar-se, trocar objetos, beijar”, etc. Foram investidos milhões de dólares no desenvolvimento desse programa mas, para copiá-lo, não custa muito (somente o preço de compra determinado pela empresa). Pode ser usado para controlar indivíduos nas escolas, empresas e quem sabe até mesmo nos lares de família.
Imagine você descansando, tomando um café ou conversando com um colega no corredor do prédio do seu trabalho (o que, para a lógica empresarial, é o famoso corpo-mole). Uma voz gravada lhe dirá: “Senhor Silva, o senhor não está autorizado a permanecer no corredor agora. Por favor, volte a sua sala de trabalho. Obrigado pela compreensão”. Pois é, tudo em nome da segurança e eficiência.
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