Multitude - 3 de outubro

Por João Clemente Moura
sexta-feira, 02 de outubro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Dicas culturais

1.

“Como me tornei estúpido”

Muitos artistas e pensadores, cada qual a sua maneira, formularam a seguinte pergunta: a sabedoria traz felicidade? Porque se somos ignorantes, ou melhor dizendo, se ignoramos as coisas, temos uma vida livre da depressão e da angústia. Basta ligar o piloto automático da vida e fazer aquilo que é esperado que você faça, no trabalho, na família, na sociedade.

Essa é a questão de fundo do romance “Como me tornei estúpido”, de Martin Page. O personagem principal, Antoine, é um jovem de 25 anos, cerebral, teórico, que sempre buscou entender toda a complexidade, toda a profundidade das coisas. Até que um belo dia Antoine chega à conclusão de que a inteligência estava fazendo com que ele se tornasse uma pessoa pobre, solitária e infeliz. Ele resolve então “cobrir o cérebro com o manto da estupidez” e não reflete mais sobre as coisas. Compra roupas cool, passa a frequentar academia de ginástica e a jogar videogame. Arruma emprego em uma corretora.

Com muito humor e leveza, Martin Page faz a gente pensar em diversos valores da nossa sociedade - e da vida de uma forma geral: compreender a vida, lutar para melhorar a vida, desfrutar a vida.

Eis aqui um episódio do livro, o qual Antoine resolve almoçar em uma famosa cadeia de lanchonetes fast-food:

“Inábil, cravou os dentes no sanduíche; uma parte dos molhos viscosos caiu no prato. Ele teve de reconhecer que gostava disso. Não estava seguro de que era bom para saúde, as embalagens não deviam ser biodegradáveis, mas era simples, pouco caro, muito calórico e de sabor tranquilizante. O gosto lhe dava a impressão de encontrar uma família sem fronteiras, de reunir-se aos milhões de pessoas mastigando no mesmo instante um sanduíche idêntico. Como em uma coreografia internacional, ele executava os mesmos passos e gestos de pagar, de transportar o prato, de beber a Coca e de ingerir as batatas fritas e o sanduíche que outros bailarinos-consumidores em templos exatamente semelhantes. Ele sentiu certo prazer, uma confiança, uma força nova em ser como os outros, com os outros”.

2.

“A Caçada ao Gollum”

Enquanto se espera o lançamento de “O Hobbit” nos cinemas, os fãs de Senhor dos Anéis podem se contentar com A Caçada ao Gollum (The Hunt for Gollum - 2009), filme inteiramente realizado por voluntários e que contou com o modesto orçamento de 3000 euros (R$ 9000). O média-metragem (40min), bem como seu making off estão disponíveis na internet para exibição e download gratuitos.

A produção é tão impressionante – levando-se em conta (ou não) o baixo orçamento – que pode até enganar no início os espectadores menos familiarizados com a trilogia oficial. Fora os atores principais, tudo se parece bastante com os filmes dirigidos por Peter Jackson. Liderados pelo jovem cineasta inglês Chris Bouchard, o exército de 250 profissionais-fãs-voluntários (ninguém da equipe recebeu cachê) realizou um dos feitos mais românticos da arte atual e provou ao mundo que existe muita gente competente fora de Hollywood.

O enredo de Caçada ao Gollum tem como objetivo contar uma aventura suprimida na adaptação dos livros para o cinema, e talvez tenha relevância somente para os fãs de Senhor dos Anéis. Mas o filme não deixa de ser interessante pelo aspecto cultural e antropológico. Caçada ao Gollum é o retrato de uma época em que a tecnologia permitiu às pessoas comuns brincar de gigantes.

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