Palavreando - 26 de setembro

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

O ipê amarelo

É nos dias de chuva e frio que acordo mais cedo e fico ali na cama ouvindo atento à chuva lá fora. Me pego por vezes pensando na ironia que é o destino de cada pingo de chuva e toda a sua magnífica trajetória. Fico na cama por horas... Não protelando o sono ou a natural preguiça, mas extático, observo a vida se transformando lá fora. Passeio os olhos pelos cantos das paredes, cada cantinho tendo como sinfonia a chuva e o silêncio lá de fora. Tudo se transforma num imenso labirinto em que minhas memórias se cruzam com aquele instante em que sou só eu e eu mesmo caminhando pelos segundos. Penso no ipê amarelo que fantasia minha janela e todas as vidas que alimenta. Algumas, ele alimenta com seus frutos, outras apenas com a sua majestosa beleza. E é irrelevante dizer que embarco em uma de suas folhas e fico a imaginar o curso que segue do seu nascimento até o derradeiro voo que faz para nutrir a terra. É o quadro que mais admiro. O ipê amarelo enquadrado por minha janela. Há quem nunca abra a janela e há aqueles que nunca abrem os olhos...

O ipê amarelo está lá para mim todos os dias, mas há dias que não o percebo. Como posso ser tão tolo em não apreciar tão esplêndida beleza? Não quero soluçar insensibilidade para passar a vida arrotando bestialidades. O ipê amarelo é minha estrela de dia. O ipê amarelo é minha doce inspiração para saborear os dias. É o milagre livre de autorias santas. É o meu motivo que me leva aos meus outros motivos que fazem a vida parecer mais leve apesar de não ser fácil. E levanto para espiar janela afora esse mundo redondo que tem muitas belezas próximas ao do ipê amarelo, mas nada exatamente como o meu ipê amarelo, o meu quadro preferido, o ipê amarelo enquadrado por minha janela..

Eu não sei a cor do seu ipê e nem sei o que o suspende ao céu. Mas sei que todos nós precisamos de algo que nos tire um pouco dessa cegueira que enxerga tudo, menos a beleza que se esparrama à nossa frente. Aquele algo que freia essa velocidade que teimamos em acelerar para que as paisagens passem mais rápidas. As paisagens não passam, o que passam são esses normais que correm da loucura de saborear a vida em todos os seus instantes.

É preciso passear pelos cantos da parede. Cada canto de parede é uma galáxia. Mas olhar para além da janela é encontrar um universo cheio de galáxias. A galáxia dos ipês amarelos, a galáxia dos ipês rosa e tantas outras de diversas naturezas e nomes. Qual é a sua galáxia? Que planetas têm nela? Que nomes você dá a eles?

Na minha janela tem um ipê amarelo. Ele é repleto na primavera e é igualmente lindo no verão. Não desaponta no inverno e em nenhuma outra estação. Ele me convida a dançar a vida, ele me chama para ver o mundo. E eu amo as nossas conversas cheias de um silêncio que reinventa o sentido da paz. É a paz que fica e não é ligeira! É a paz agitada e divertida que não se pinta nos quadros. O ipê amarelo veste minha alegria de otimismo e me dá o chão que eu preciso para seguir.

Quando eu acordar amanhã, lá estará o ipê amarelo me esperando na janela. Lá estará ele fazendo graça para mim. Não sei se mais alguém observa o meu ipê amarelo, mas estou ali para ele e ele está lá para mim. Há outros ipês de nomes e formas diferentes. Há outros que acordam e veem o seu ipê esperando na janela. Há outros muitos que estão para o ipê e ele está lá para esses que o admiram... Vou seguir meu ritual diário e ao voltar reencontrarei o ipê amarelo que não sabe, mas esteve me acompanhando por todo o dia. Na batalha com as horas, na grande brincadeira com cada minuto. Vestido de amarelo, colorindo o mundo. O quadro que mais admiro. O ipê amarelo enquadrado por minha janela, enraizado em meu espírito, transformando a minha vida.

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