Campos abertos
Eu não sei fazer barquinhos de papel, nem sei dar nó em gravata. Sei muito pouco acerca do mundo, mas tenho aprendido em demasia com as pessoas, especialmente com o que as pessoas deixam de fazer. Superficialidade, indiferença e impaciência é a fartura que o mundo tem dado, é o que temos colhido e semeado. Nossos peitos são campos abertos de imensos vazios, com gigantescas porteiras que se trancam, cercados de arames farpados que sangram a alma.
Temo o vício de desistir, mas não nego que nos últimos tempos essa é uma premissa que me persegue. Não quero grandes coisas em troca, mas o amor é uma via de mão dupla. Não amo à espera de ser reconhecido, mas amo na esperança de ser amado ainda que obtenha míseras migalhas de amor. Migalhas são banquete para quem tem fome, para quem não tem nada. O amor não pode sobreviver de um só, o amor não pode se reinventar solitariamente. O amor é acima de tudo relação e não há relação em que de um lado haja esforço e do outro nem imaginação. O amor não pede artistas com requintada criatividade, em verdade o amor se faz na simplicidade e goza nos detalhes.
Eu não sei fazer barquinhos de papel, nem sei dar nó em gravata. Não tenho a intenção de aprender a confeccionar barquinhos de papel ou de verdade. Não tenho a motivação para aprender a dar nem os mais simples ou os mais sofisticados nós de gravata. Só não quero aprender a não amar.
Quando se ama uma vez, ainda que sofra, você desaprende a ser indiferente, você sabe o gosto das frutas e das cores, a sensação de fúria e de calmaria, a paz de ser guerra e a guerra por ser paz. Você leva bofetadas na cara, tem a garganta anestesiada pela bebida que queima a alma e suga o sangue e ainda assim quer mais outras vezes arriscar a face doída e a garganta cansada pelo vômito. Quando você ama uma vez, você fica satisfeito pela insatisfação, completo pela falta do que o faz incompleto, você entende que não dá pra passar pela vida como os ponteiros do relógio... Você precisa agarrá-la, você tem necessidade de vivê-la ainda que sem garantia de felicidade plena. Quando o amor o visita, essa lembrança não lhe foge à memória, não lhe escapa mesmo o amor sendo fugaz.
Desistir é cômodo, afinal. Insistir é persistência de louco num mundo cada vez mais carente de loucos desvairados e corajosos que aguardam a manhã, ainda que o sol surja apenas no anoitecer.
Temo me tornar um solitário na multidão. Não tenho medo do sofrimento arrebatador de amar e se importar com alguém, dos riscos de ser fiel ainda que possa ser traído. Doo a minha vida à incerteza do talvez. Mas sofro por me ver num futuro sozinho, isolado em uma rara espécie. Eu não posso sobreviver apenas acompanhado pelas longínquas estrelas cujas luzes tardias já podem ter se apagado. Não posso me embebedar eternamente de ilusão. Temo a solidão mais que a loucura, temo a solidão muito mais que a cegueira.
E na injusta batalha do mundo contra mim, luto ainda que as previsões indiquem que terminarei retalhado. As feridas saram, eu sei. As cicatrizes que se perpetuam são poemas inacabados guardados em cartas jamais enviadas, que jamais chegarão a um destino.
Sou a resistência a desistência, sou o evite à indiferença, sou o pálido pintor de arco-íris que não vê qualquer possibilidade em se entregar. Recuso a bestialidade de optar pelo campo aberto imenso de vazio, trancado e cercado por arames farpados.
Eu não sei fazer barquinhos de papel, nem sei dar nó em gravata. O meu peito é um campo aberto ávido por ser repleto ainda que isso signifique a eterna espera ou a satisfação incompleta pela ausência daquilo que um dia foi.
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