A contragosto de Dalva Ventura, bato este texto numa máquina de escrever. É minha pequena revolução contra a máquina – é que eu também me acho no direito de incendiar navios de vez em quando. Mas pense bem, meu caro juiz, a minha velha (porém conservada) Olivetti oferece algo que computador algum é capaz de fazer: saca só, por mais que você, meu querido pós-moderno, personagem de William Gibson, insista, não existe prazer contra essa violência exercida sobre as teclas – particularmente, lembro-me bastante de uma cena que sempre muito me comoveu.
Vladimir Nabokov, autor de Lolita, relata em posfácio de alguma edição de sua obra sobre um conto precursor do livro que mais tarde seria adaptado ao cinema por Stanley Kubrick. Este tratamento do trabalho o desagradou tanto que chegou ao cúmulo de tacá-lo ao fogo. Enfim, eu posso escrever o que eu quiser e depois picar tudo em pedacinhos e, por mais que a vida digital permita fazer isso com tudo que quisermos, não há nada como rasgar papel.
Volto à primeira cena (porque é no título que as histórias se iniciam perante o leitor): Antonio Fernando.
Antonio não deveria ser tema disto aqui, devia era de escrever uma autobiografia (e Dalva, também).
Que me desculpem os que não conhecem esse pessoal. Isto aqui carrega o Antonio no título, mas no miolo tem tudo do povo lá da redação (Henrique, Flávia, Eloir, Daniel, Lúcio, Leonardo, Zé Duarte, que havia de enlouquecer se eu fosse bater à máquina por lá, e Dalva).
Na faculdade, tempo que será lembrado como uma breve miragem alcoólica para mim, Dalva era a professora que havia sido amiga do João Antonio. Se não conhece, não sabe o que anda perdendo. João me foi apresentado por Beto Garcia na intenção de me mostrar até onde a literatura poderia ir, desde que sangrasse (e Deus sabe que eu tenho andado nessa linha desde aquele tempo). E João, com esse nome assim, Antonio, simples, me parecia mais um pseudônimo, umas palavras trabalhadas, bem diferente das marteladas que tenho dado por aqui, mas tenho a esperança de que a violência seja a mesma. Ocorre que Dalva havia sido amiga de João, e o cara, um já notório pinguço, realmente existia. E existir acarreta em um bocado de coisa. Morrer, por exemplo.
O autor de Malagueta, Perus & Bacanaço, Malhação do Judas Carioca e Leão de Chácara morreu sozinho em seu apartamento, de tanto beber João finalmente encontrou sua página final. Para Dalva ele era um solitário, eu fico cá com a opinião de que as respostas estão todas lá, desde sempre marcadas no texto desse cara, cada página, cada vírgula, cada delírio de birita e cada porre de amor. Viva João Antonio!
E voltemos à redação. Eu não tenho certeza, mas acho que eu ocupo o computador que há alguns anos serviu à Andréa Freeze, que também já atendeu por Andréa Cristina, e isso é insanamente interessante, porque a minha primeira oportunidade para trabalhar com jornalismo foi com a Andréa, ainda em Macuco (aquele abraço!); uma experiência interessante – desafio qualquer um a permanecer são após um período trabalhando em um jornal de interior – interior mesmo – em período de eleições. Mas sobrevivemos. Todos nós, inclusive o Antonio Fernando, que trabalhou no mesmo lugar, só que alguns anos antes.
Agora me resta o vício solitário de escrever algo que dê alguma coerência a isso tudo – notem, por favor, que aqui falo de vício, não de tarefa. Outra coisa aprendida com João Antonio, e vista refletida em Antonio (o Fernando) na casa de Andréa n´outro dia, enquanto ele fazia um novo post em seu blog. E Antonio é assim, quase um cachorro bravo, um senso de humor e uma inteligência (e presença e capacidade) que até me deixa animado, seja lá no que for, quando for. Antonio Fernando é um cara legal.
E tenho até minha a consciência de que ainda tenho que catar algum fim por aqui, porque ainda há de se acreditar que terminar um texto com seu título é um desperdício de papel – e como o Antonio é safo e já aderiu ao computador (enquanto que eu fiz o caminho inverso), e palmas pra Dalva, porque nesse fim de quadro eu já estou com os dedos arrebentados.
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