O inteiro meio
De tempos em tempos eu mudo. Simplesmente mudo como um bicho que muda suas cores ou um adolescente que acorda com o corpo cheio de piercings, espinhas e tatuagens. Admito que a transição de um tempo para o outro é doloroso. É o instante em que há despedidas sem adeuses, últimos abraços sem que se saiba que são os últimos, conversas finais que nada concluem. Se soubesse, daria adeuses mais calorosos, abraços mais fortes e conversas com diálogos mais poéticos.
A gente nunca sabe exatamente quando uma história termina, mas até as boas histórias terminam. Na vida, o fim não aparece em caracteres como nas novelas ou nos filmes, mas se prestar bastante atenção, você poderá ver a poeira formando tais letras, mas aí já pode ser tarde demais. A poeira é ligeira e a vida não costuma dar segundas chances.
Ninguém se conhece para depois ser mero conhecido. Ninguém se aproxima de alguém e firma com essa pessoa um pacto, sem que aja nisso um propósito de eternidade. Mas se tem algo que aprendi com os dias é que eternidade não existe, mesmo que persistam promessas e intenções. As histórias acabam e as pessoas se separam, muitas das vezes inconsciente e lentamente, talvez porque todos nós sejamos muito desligados, beirando quase sempre a indiferença.
A cada movimento do ponteiro, os cabelos caem, a pele envelhece, a alma cansa, as pessoas mudam... As fotos comprovam, a voz confirma e mesmo a voz tendo sempre o mesmo som vocal, as palavras que produz se transformam.
Cada intervalo de mudança é como sair de um continente para o outro. Novos rostos, diferentes costumes. Repentinamente perdido, o que se quer é se achar. A novidade também cansa e de tempos em tempos é preciso mudar. Por mais que cacemos a estabilidade, não queremos a estabilidade, pois ela é calmaria que prenuncia o fim. Não queremos o fim e se pudesse viveria sempre no meio de tudo. Ficaria com o meio da história, com o meio da vida, com o meio do romance. Ele pode não ser tão bom quanto o começo, mas é seguro e magnificamente profundo. É no meio que as pessoas se conhecem de verdade e são verdadeiras. É no meio que a necessidade de se ver e de se estar junto é maior. É no meio que está guardado o que há de melhor. No meio por inteiro, o inteiro está no meio, não no começo, não no fim, é no meio que se está completo, sem se querer nada mais.
Nem apreensão, susto, surpresa ou decepção. Nem dor, felicidade passageira, certeza de saudade ou frustração. O que se quer é a plenitude de tudo, construção da saudade que fica, a morada que se quer ficar. Os dias mais incríveis estão no meio, mas não se pode delimitar a vida em meio e fim até que se tenha chegado ao fim, por isso, não aproveitamos como deveríamos o meio de tudo. Somos ansiosos demais para ver o fim da história, acabamos por não vê-lo, para perceber depois que é no meio que está o que há de mais interessante. E não adiantam as mudanças de tempos em tempos, repetiremos tudo outra vez, da mesma forma, desatentos ao meio, impacientes pelo fim, percebendo o fim só depois, muito depois de ele ter vindo. Beiramos a indiferença pelos outros, pelo mundo e por nós mesmos. Passamos pelo começo, voamos pelo fim e corremos do fim como se o fim não fosse veloz demais para nos alcançar.
De tempos em tempos eu mudo e se pudesse ficaria ali parado no meio de tudo. Mas a vida não permite tais acrobacias. A vida é furiosa e faz você mudar, quer você queira ou não. Mudam-se os hábitos, as roupas, as cores, os sonhos, os amores, os amigos... Os intervalos são dolorosos, talvez mais pela descoberta de que aquele tempo acabou e você nem viu que era fim. Não deu tempo para se despedir, não deu chance para uma conversa festiva-conclusiva da história que se encerra, não foi possível dar adeus... Talvez só se queira tirar disso tudo um pouco de força para recomeçar essa dança toda. Choro sem saber se choro pelo fim da música ou pela nova música que começa. E é aí que não sei se agradeço ou acumulo esperança, porque cada nova história parece mais difícil, também mais vazia e um tanto previsível para mim...
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