Histórias Verídicas - 21 de março

Por Mário de Moraes
sexta-feira, 20 de março de 2009
por Jornal A Voz da Serra

FAZER O BEM OLHANDO A QUEM

Quem nos enviou esta história foi a leitora Nair Lúcia de Britto, que é jornalista. Ela conta que o pai era muito severo, não tolerava brincadeiras e exigia muito respeito. Dentro do seu peito, no entanto, batia um bom coração. “Talvez o falso mau humor tivesse explicação no fato dele ter ficado órfão muito cedo e vivido uma infância difícil, levando-o a ter horror à fome”, esclarece Nair.

Fome, na opinião do pai da minha missivista, era a pior das adversidades. Razão pela qual nunca faltou um prato de comida aos pedintes que lhe batiam à porta. “Meu pai também adorava os animais”, conta Nair. E continua: “Em nossa casa havia uma grande variedade de pássaros. Mas, quando morreu o papagaio, que repetia ‘quero café, papai!’, e mais dois passarinhos de sua estima, desgostoso, papai decidiu criar cães”.

Na casa de Nair havia três cachorros: o mais velho, grande, malhado, peludo, chamava-se Duque. Pitoco era o do meio. Ele assim fora batizado por ter nascido sem rabo, no seu lugar existindo apenas um toco. “Mick, o caçula, era o meu preferido. Pequeno, carinhoso, mestiço, parecia um capeta, com uma incrível agilidade, não ficando parado um só instante”, lembra Nair. Para o pai dela os três eram como se fossem filhos, mas Duque era o seu xodó.

“Papai comprava carne para eles, preparava-lhes a alimentação e procurava distribuí-la o mais equitativamente possível. Embora, na minha opinião, a divisão fosse meio fajuta, porque Duque ficava com a maior porção. Papai costumava sair com os três, soltos, pulando e latindo ruidosamente à sua volta”, recorda Nair.

Ele seguia com seu ar prepotente, andando ereto, passo firme, cadenciado, chapéu enterrado na cabeça, charuto no canto da boca, indiferente e alheio ao ar curioso dos que comentavam à sua passagem, com ar de troça: “Lá vai seu Brito!”. Quando indagavam por que ele saía à rua com aqueles cães, respondia, ríspido: “Se entre amigos encontrei cachorros, entre cachorros encontrei amigos!”. E com essa conhecida sentença, apressava o passo e encerrava o assunto.

Conta Nair: “Tínhamos uma vizinha, pessoa sem recursos, que possuía um cão. Magro, ar doentio, o animal parecia estar sempre esfomeado. Certa vez, quando papai chegava em casa, deu com o infeliz. Penalizado, chamou a vizinha e disse-lhe com rudeza: “Este cão está com fome! Que diabo, é preciso ter mais cuidado com os animais!”. A mulher desculpou-se timidamente, informando que não tinha dinheiro para comprar carne: “Ele só come as sobras que lhe damos”.

O pai dela entrou em casa furioso, foi direto ao caldeirão onde guardava a comida dos seus cães, passou mão nele e voltou para a porta da vizinha. Depois de fazer alguns agrados no esquelético cachorro, estendeu-lhe um suculento pedaço de carne. A fome do infeliz era tanta, que o pobrezinho engoliu o naco sem mesmo mastigar. Deu-lhe outro, mais outro e o bicho quase comeu todo o conteúdo da panela.

“Quando papai viu que a barriga do animal estava estufada, achou melhor parar: “Amanhã eu lhe dou mais, seu guloso”. E entrou em casa feliz e contente pela boa ação praticada. Papai não contava, no entanto, com o que viria a acontecer. Na manhã seguinte, quando foi procurar seu protegido, soube que ele havia morrido durante a noite. Acho que foi de indigestão, já que o magrela nunca comera nada tão substancial. Seu organismo debilitado não resistira a tanta fartura...”, encerra Nair Lúcia de Britto.

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