Histórias Verídicas - 31 de janeiro

Por Mário de Moraes
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Palpites infelizes

Muitos pintores, como o holandês Van Gogh (1853 - 1890) , que, desiludido, suicidou-se com um tiro no peito, só ficaram famosos e foram valorizados depois de mortos. Alguns muitos anos depois de se mandarem deste mundo. Com alguns escritores, aconteceu o mesmo. Machado de Assis (Rio de Janeiro/RJ 1839 - id. 1908) um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, sofreu muitas e injustas críticas quando era vivo. A pior delas foi assinada por Sílvio Romero (Lagarto/SE 1851- Rio de Janeiro/RJ 1914), primeiro historiador sistemático da literatura brasileira. Para ele, Machado não passava de um “burilador de frases banais” e seus romances não valiam nada. Também desconsiderava a obra de José Veríssimo (Óbidos/PA 1857 - Rio de Janeiro/RJ 1916) e Castro Alves (Muritiba/BA 1847 - Salvador/BA 1871), considerando Tobias Barreto (Campos do Rio Real/SE 1839 - Recife/PE 1889) o maior pensador do seu tempo.

Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, tendo ocupado a cadeira nº 17, Sílvio Romero também não perdoou Eça de Queiroz (Póvoa de Varzim 1845 - Paris 1900). Numa resenha que fez sobre o romance O Primo Basílio, reduziu a pó o escritor português.

Para quem aprecia um bom livro, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (Cordisburgo/MG 1908 - Rio de Janeiro/RJ 1967), é uma obra-prima. Não pensavam assim alguns críticos e leitores quando esse romance foi lançado. A tal ponto que, em 1958, a revista Leitura criou uma seção especial para acolher depoimentos, intitulada Escritores que não conseguem ler Grandes Sertões: Veredas. Entre os que criticaram Guimarães Rosa – pasmem! – estavam o poeta Ferreira Gullar e os escritores Marques Rebelo e Adonias Filho. É bem verdade que, anos depois, os três mudaram de opinião.

O tema desta crônica foi aproveitado num livro, publicado nos Estados Unidos sob o título de Rotten Reviews (Resenhas Podres), chegando a vender 70 mil exemplares. As críticas têm início em 411 a.C., quando o dramaturgo Aristófanes soltou a ripa em Eurípedes, autor de peças consagradas, como Medéia e Orestes. O mesmo Eurípedes que faz parte da trinca mais aplaudida do teatro grego, em companhia de Sófocles e Ésquilo.

E o que dizer de críticas a Shakespeare? Pois elas existiram, e em número bem grande. No século 18, quando ele já havia falecido e suas obras passaram a ser mais discutidas nas rodas literárias francesas, vários críticos as consideraram escandalosas, frutos da mente de um “selvagem bêbado”, como escreveu o escritor e filósofo Voltaire, sobre Hamlet, a mais famosa peça de Shakespeare.

Como se isso não bastasse, o poeta Lord Byron previu que a obra do mais conhecido escritor da literatura ocidental, autor de Romeu e Julieta, teria existência efêmera. Até Bernard Shaw, que viveu até o século 20, escreveu que as peças do bardo estavam repletas de “caracterizações de araque”. Como os outros, o dramaturgo irlandês enganou-se redondamente, já que Shakespeare é aplaudido até hoje. Para sua felicidade, as críticas mais contundentes lhe foram feitas depois que ele já não podia lê-las.

Outros, no entanto, tiveram que engolir em seco, quando foram apedrejados pelos falsos entendidos. Foi o caso de Walt Whitman, autor de Folhas da Relva, considerada como obra fundadora de toda poesia moderna americana, apresentado numa crítica como um escritor que “entendia tanto de arte quanto um porco de matemática”.

Por sua vez, o jornal Le Figaro, em sua resenha literária, declarou que Gustave Flaubert, autor de Madame Bovary, “não era um escritor”. E Flaubert é considerado o grande estilista da prosa francesa.

O que não dizer, então, da crítica feita ao livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, na revista inglesa Livros para Crianças: “É um romance rígido e elaborado demais”?

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