LetraLivre - 17-01-09

Sérgio Bernardo
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Belos, Bobos

e Burros

Os gregos, se não inventaram, são tidos como os inventores do teatro. E no princípio era o verso. Os dramas dos antigos eram em formato de poesia e, provavelmente, muito do que se conhece hoje de poetas ancestrais tenha nascido para alguém interpretar no palco de um anfiteatro helênico. Uma forma de entretenimento para atender a sede de espetáculo descoberta no homo sapiens em algum instante da História.

Mais tarde, na Roma dos césares, um homem com sua lira e a coroa de louros passou a ser frescura demais para um povo de espírito guerreiro. Inventou-se o show dos gladiadores se engalfinhando numa arena, com muito sangue e membros do corpo voando para todos os lados. Quando isso virou mesmice, meteram uns leões famintos no jogo. De um lado, as feras há vários dias sem carne. Do outro, uns loucos desprezíveis chamados cristãos, dos quais o Estado tinha de se livrar de qualquer jeito. Resultado: o massacre de pessoas arrancava aplausos delirantes da plateia. Não consta que houvesse um nobre, soldado ou legislador contra tais espetáculos (se existiu algum, deve ter sido calado ao ser oferecido como almoço a um leão).

Viemos caminhando pelo tempo e chegamos a séculos em que a música, o teatro, as artes plásticas, a literatura, desenvolvidas com apuro, se tornaram os meios mais eficazes de conduzir ao êxtase supremo a alma humana. Apropriadíssimo o termo Renascimento. O homem parecia mesmo estar renascendo após um período de trevas, marcado por guerras sucessivas. Claro que monstruosidades como as touradas – onde o toureiro vive o papel do leão e o touro encarna o primitivo cristão – continuaram atraindo multidões. Mas havia teatros magníficos, academias de belas-artes e letras, museus gigantescos, casas de ópera suntuosas sempre lotadas e uma safra brilhante de talentos compondo, pintando, interpretando, cantando.

Chegamos a 2009, ano há tempos imaginado como impossível. O mundo acabaria no ano 2000, quando um asteroide nos abalroaria ou naves alienígenas nos invadiriam, com pequenos ETs verdinhos e olhudos exterminando todos os terráqueos. Nem eles vieram de suas galáxias anos-luz distantes, nem nós partimos desta para alhures, que dizem melhor. Ficamos porque havia ainda um espetáculo a ser criado: os reality shows. Como pôde a civilização viver dois mil anos sem eles? Como pudemos, através dos séculos, deixar de dar uma espiadinha em tantos heróis aprisionados na grande nave-mãe do Big Brother Brasil (ou seria Brazil?), comandada por um poeta que recita abobrinhas? Digam se entendi bem: a indústria do espetáculo nos quer à frente de uma tevê de plasma assistindo, com transmissão digital, a uma porção de marmanjos infantilizados, gritando, remexendo-se, tomando porres homéricos (pobre Homero...), comendo nos dois sentidos, fazendo xixi e cocô? É isso???

Só me resta pedir desculpas a estes mamíferos perissodáctilos também batizados de jumentos, com que bípedes autodenominados gente resolveram chamar os semelhantes desprovidos de inteligência. Sábios são os burros, que empacam, enquanto nós seguimos, puxados por uma corda, exatamente aonde nos conduz o Bial. E o que é também grave: tudo ao custo de várias ligações para celular.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade