O vencedor
Já fui um menino que se vestiu de herói e no combate imaginário ao crime foi um vencedor. Já fui um adolescente que comia a bola e em cada drible, em cada gol foi um vencedor. Já fui um jovem travestido de Che Guevara que acreditou mudar o mundo entregando sua própria pele e foi um vencedor. Já fui um adulto que dirigindo a duzentos rompeu as curvas e cruzou a linha de chegada antes de todos e foi um vencedor. Já fui um homem de meia-idade que criou os filhos para o mundo e amou sua mulher e foi um vencedor. Já fui um velho de cabelos brancos e braços fracos que provou que podia ser mais do que o peso da identidade e foi um vencedor. E vencendo foi um vencedor. E perdendo foi um vencedor. E lutando foi um vencedor.
O vencedor é o feto que rompe o ventre para encontrar a luz e todo o caos que advém dela. O vencedor é a criança que brinca com seus bonecos e faz ao seu redor um mundo fantástico, repleto de fantasias. O vencedor é o menino que se torna rapaz e descobre, dia após dia, o seu corpo e se acostuma com todos os pelos e apelos de seus hormônios. O vencedor é o jovem que consegue seu primeiro emprego e na labuta cotidiana sonha em ser alguém tão bom quanto seus pais. O vencedor é o homem que ainda que homem respeita as coisas de menino. O vencedor é o senhor que reconhece que o tempo é curto, mas que nem por isso precisa enfrentar ou exorcizar o tempo, mas, sim, aproveitá-lo da melhor maneira possível.
Não há quem não tenha um dia sido um vencedor. Na verdade sempre se é vencedor! Só se deixa de ser quando se esquece que vencer não tem propriamente nada a ver com sair vitorioso. Vencer tem mais a ver com lutar. Está mais intrínseco às coisas profundas do espírito. O vencedor é essa inquietude que mora dentro de cada um. É esse turbilhão que se maquia de mero observador. O vencedor é esse coração que não para, às vezes cala, mas sempre se mantém operante.
Há vezes em que se ganha, mas não é possível experimentar o delicioso prazer de ser um vencedor. Porque nem sempre quem ganha é necessariamente um vencedor. Quando ganhar é tudo e se é capaz de se distanciar daquilo que se é e acredita, o que se testemunha não é um vencedor, mas um perdedor nato. E muitos dos pseudovencedores que conhecemos são os mais exemplares perdedores. São cruéis e frios. Não são humanos. Se perderam do feto e do menino que foram. Deixaram de ser o homem e o velho que poderiam ser. Enganaram suas almas e, na gana de se tornarem algo tomando dos outros, enlouqueceram sem saber que vencer pode ser perder e que dignidade não tem preço.
Há vezes que se perde e é possível presenciar milagres. Ver um milagre é como poder beijar a face de Deus. Quem compreende isso pode ser esquartejado, torturado, aleijado, mas suporta, não pelo fato de saber perder, mas porque vencer não importa, porque a fé nas pessoas e em si mesmo são maiores que triunfos recheados de rancores. A um vencedor não são necessários palmas passageiras ou troféus que enferrujam, mas poder olhar para si mesmo e ainda assim sentir orgulho. Perceber que a alma está intacta, o coração incorrupto e a vida tão iluminada como quando se é feto, tão assustado e encantado como quando se é adolescente, tão divertido e sonhador como quando se é jovem, tão determinado e veloz como quando se é homem, tão sábio e surpreendente como quando se é velho.
Todos nascem vencedores, mas nem todos morrem vencedores. Por mais que se tenha vencido, acabam vencidos pelas tentações do poder. Reside em cada um o vencedor – talvez esteja aí, adormecido, louco para acordar de novo!
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