Letras Livre - 10 de janeiro

Por Sérgio Bernardo
sexta-feira, 09 de janeiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Com minha boia sobre um mar de rosas

Não esperem de mim nesse janeiro que idealizo mês da paz universal uma crônica sobre guerra. Sou dos que se recusam a repassar e-mails que lembrem conflitos mundiais. Não quero tocar no assunto. Portanto, numa conversa de rua, que não me venham descrever a morte. Falar do assassínio de alguém é matá-lo pela segunda vez. Já bastam as notícias que me chegam sem que as espere ou deseje, ao ligar a TV ou abrir a caixa do correio-eletrônico.

Hoje estou super a fim de ver um mundo perfeito. Vou olhar para os lados bons das pessoas e esquecer que têm falhas. E não é que surfe na onda de que fomos feitos à imagem e semelhança... Nada disso. Simplesmente tenho em vista um momento de paz nesse dia dúbio, que está pensando com suas nuvens se vai ser chuvoso ou não. Traga o sol ou a chuva, que venha tranquilo. Sem problemas, mal-entendidos, palavras áridas nem dor de cabeça. Um dia de trocar ois e sorrisos nas esquinas, ou ainda um voto de Feliz Ano-Novo recebido e devolvido a alguém que não havia encontrado depois do Réveillon.

Seja em casa ou no trabalho, não pretendo levar a mal nenhum parente ou colega. Nenhuma colocação descabida será interpretada como um ato de terrorismo contra minha alegria. E o mau humor alheio será apenas isso: do outro. Evitarei ao máximo o contágio via vírus do negativismo. Os que querem ver sempre o lado péssimo de tudo que se divirtam com seu jogo macabro. Eu, não. Hoje verei apenas a face clara da Lua. As flores sobre as quais o poeta afirmou que falaria em sua canção. E há tantas logo ali no meu jardim. Uma nascendo na trepadeira enroscada na grade da varanda e outra, uma hortênsia, escondida embaixo do arbusto e atrás do pinheiro onde uma orquídea repousa. Pra não dizer que não falei de flores.

Hoje, que estou assim, flutuando com minha boia sobre um mar de rosas, passarei pelos espinhos sem deixar que me arranhem. Nada posso fazer se estão lá, a não ser manter-me a distância deles. Sem fechar meus olhos para sua existência, caso contrário, minha momentânea cegueira poderia me fazer tocá-los. Quantos caminham enceguecidos (e quem bem os percebeu foi Saramago, tornando-os personagens de livro). Saber que os espinhos estão à volta não significa se deixar ferir por eles.

Amanhã... Amanhã não sei nem busco adivinhar o que vai ser. Também, para ser honesto, não me importo com irrealidades. E tanto o que foi como o que está por vir são irreais. De real tenho somente esse cálice de paz agora em minha mão, que pretendo beber até a última gota. Num brinde ao ano com uma semana de vida. Ou talvez à minha resolução de aceitar o que ele trará, seja o que for, nos próximos 358 dias em que estiver no calendário. Estar aqui para virar as folhas, todas elas, será um presente que não cansarei de agradecer. Eu devo essa postura aos que já saíram de cena, pela história de amor ou amizade vivida juntos.

Não esperem hoje de mim que detone bombas nessas linhas.

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