Histórias Verídicas - 27 de dezembro

Por Mario de Moraes
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

O GATO FEIO

A turma do uísque sabe que eu vivo de contar histórias. E uma da patota, justo a professora, conta-me uma. Ela envolve animais, assunto que, para mim, agrada a grandes e pequenos.

A professora foi testemunha deste fato inusitado. Escola primária no distante bairro carioca de Campo Grande. Na época a diretora do educandário e as professoras andavam muito preocupadas com a invasão de ratos. Não pequeninos roedores, mas enormes ratazanas, bem parrudas, que sem a menor cerimônia atravessavam as salas de aula, percorriam o pátio de recreio, metiam medo às crianças.

De início, pensaram em veneno. Várias porções, colocadas pelos cantos, atraindo a gula dos ratões. Mas colocaram a idéia de lado, com receio que os meninos menores, do jardim da infância, pudessem mexer na droga mortal.

Um dia a diretora apareceu com uma gatinha. Ainda pequena, mas esperança futura no embate com os malditos invasores. Só que, com o passar do tempo, mimada por todo mundo, a bichana mostrou-se cada vez mais dengosa, parecendo tudo, menos uma decidida caçadora. As ratazanas passando por perto, e ela nem nada. Quando muito, afastava-se apreensiva, como se temesse um ataque dos roedores. A bem da verdade é preciso que se informe que muitos dos ratões eram quase do tamanho da Princesa, que com este nome a gata fora batizada.

A maior parte do dia, Princesa passava de um para outro colo, professores, serventes e alunos disputando o prazer de acariciá-la. Nem mesmo os gatos da vizinhança chamavam a sua atenção. Bem que eles tentavam uma aproximação, uma paquera, mas Princesa olhava-os do alto da sua importância, virava-lhes as costas e prosseguia na sua majestática caminhada.

Um deles, morador no armazém de secos e molhados da esquina, parecia ser seu mais ardoroso admirador. Embora feio como a peste, era um bicho forte, grande, capaz de dar bom marido. Não para a Princesa, que o desprezava.

Até que aconteceu o charivari. Todos na escola ouviram o barulho da luta, onde sobressaíam os miados desesperados da Princesa. Acudiu a diretora, acudiram as professoras, acudiram os alunos. Ninguém sabia como a gata penetrara por uma janela gradeada do porão do educandário. E lá embaixo – viram todos, pelas aberturas – ela enfrentava uma baita ratazana. Acuada, tentando defender-se dos dentes afiados do roedor, a frágil Princesa parecia completamente desamparada. De quando em quando, ela tentava sair por onde entrara, mas os seus saltos eram curtos demais, ou ela estava tão assustada que não encontrava o espaço para a fuga.

– Vamos salvá-la!, comandou alguém.

E a maioria se comprimiu junto à porta que conduzia ao porão. Ela, porém, estava trancada! Desesperados, saíram à procura da chave do cadeado, mas souberam que ela encontrava-se com uma servente que fora almoçar.

Quando já estavam dispostos a arrombar a porta, viram um enorme gato que se aproximava atraído pelos pedidos de socorro da Princesa. O feio, grande e forte felino do armazém de secos e molhados. Sem dar pelota pra ninguém, mas com muito jeito, ele conseguiu espremer seu corpanzil por entre as grades da janela e desabou no campo de luta. Duas violentas e bem endereçadas patadas foram suficientes para deixar a ratazana grogue. Depois, o gatão acabou por matá-la, seccionando-lhe a garganta com uma poderosa dentada. Princesa assistia a tudo, ainda encostada a uma das paredes do porão.

Morto o inimigo, o bruta felino aproximou-se ronronando e docilmente da Princesa. E amigavelmente deve ter-lhe dito algo, não compreensível para os humanos. Depois, passou por onde viera, como a mostrar o que a gata devia fazer. E ela o fez, obediente, percorrendo o mesmo caminho. Já do lado de fora, sob os aplausos do pessoal da escola, Princesa não esperou os abraços. Antes que pudessem fazer alguma coisa, ela saiu atrás do grande e feio companheiro, os dois caminhando em direção ao armazém de secos e molhados.

A professora, testemunha do fato, encerra a história:

– Por mais incrível que pareça, Princesa nunca mais voltou para a escola, onde a tratávamos com tanto carinho. A partir daquele dia, ela passou a morar no armazém ao lado do seu salvador, como a nos dizer que ele fora o mais valente de todos, o único que a livrara do perigo. Quer saber mais? Outro dia nos contaram que Princesa já é mãe de alguns lindos bichanos, filhos do grande, valente, forte e feio gato do armazém de secos e molhados...

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