A gostosa suruba brasileira
Acordei com a canção de Bilora na cabeça. O compositor das Minas Gerais, de Contagem, dizendo na letra de Guaiana que “meu bem de longe me acenava da janela”. Conheci o poeta e músico na cidade de Paranavaí, em novembro, no mesmo dia em que entraram na minha história Ivonete Gonçalves, Marinho San, João Leopoldo, Ruthe Glória, Crys Vanessa, Zebeto Corrêa, Ritinha Carvalho, Alexandre Missel, Cícero Gonçalves, Tavinho Limma, Elton Ribeiro, Wolf Borges e aquela turma de gaúchos da fronteira com o Uruguai. Só aí, nessa relação de músicos, faço um passeio por São Paulo, Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraná. Cadinhos de Brasil que se encontraram, somaram artes e dividiram bons momentos.
Somos diversos, temos sotaques, mas nos entendemos bem através desse português que nos sai da garganta. Desse jeito que nos igualamos. Sou baiano quando caminho em direção ao Farol da Barra ou quando compro aqueles postais de orixás numa loja do Pelourinho. Sergipano ao pisar as areias de Atalaia ou indo ao encontro da poeta e jornalista Ilma Fontes, que me convidou para um vernissage na galeria da biblioteca pública de Aracaju. Alagoano naquela pousada do Rio Doce ou no cais de Porto de Pedras, à espera do barquinho que me levará ao santuário ecológico dos peixes-bois.
Por que só aqui devo ser apenas friburguense? Por que não ser também um paraibano arretado, escritor da moléstia, um dos maiores estudiosos da maneira de ser brasileira? Ariano Suassuna não tem cabelos louros nem sangue helvético, não redigiu uma lauda de sua vasta obra à sombra destas montanhas, esteve aqui talvez apenas naquele dia em que inauguraram o teatro municipal com seu nome. Mas nem por isso deixa de ser um cidadão local, já que aqui também é reconhecido como um grande da cultura nacional, aqui também é lido, tem as peças encenadas, os filmes baseados em sua obra assistidos e gostados. A cassação da honraria de batizar aquele espaço concluído este ano, mais de uma década após ter sido abandonado, não é uma afronta somente a Suassuna. É a todos os artistas brasileiros que lutam pela integração das gentes, as boas relações interculturais, a marca da identidade brasileira como uma mistura louca que deu certo, posto num caldeirão um sem-número de etnias, falares, cantares, pensares, cores de pele e espessuras de cabelos. Ao fim e ao cabo, a gostosa suruba brasileira.
“É do homem dar mais valor aos rótulos do que às essências”, disse um filósofo de botequim. O Teatro Municipal Ariano Suassuna está lá na Praça do Suspiro, em pleno funcionamento. Está bonito, é amplo e confortável. Ainda invade o nariz de quem vai lá aquele cheirinho bom de coisa nova. A programação apresentada tem sido de primeira qualidade. Caiu a ficha? Temos um teatro público com quase 600 lugares, bem localizado e oferecendo cultura de graça. E muitos outros espaços sem um nome para batizar, como o Centro de Arte, o teatro do Sesc, a Oficina Escola de Artes. Que tal sacar do bolso aquela lista de nomes e pensar num deles para estes pontos de arte e cultura? Muita gente boa pode ser assim homenageada.
Vamos poupar Suassuna de um desgosto que não merece e o nosso burgo de um mico que não estamos a fim de pagar.
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