CONFIRMANDO A VERGONHA
Eles dizem que no Rio de Janeiro as cobras andam soltas pelas ruas”, contava-me o mano mais velho, eles sendo os estrangeiros de um modo geral, e os norte-americanos em particular.
Eu, ainda menino, ficava furioso.
Até que um fato inusitado acabou dando razão aos difamadores da minha querida cidade. E aconteceu justamente com um casal ianque, de férias em Copacabana.
Não guardei na memória a identidade dos gringos. Digamos que se chamavam John e Mary, que me parecem nomes bem apropriados. Os dois, com sua indefectível máquina fotográfica (naquela época os turistas ainda não temiam os pivetes) a tiracolo, iam registrando tudo que viam em muitos filmes, por menor interesse que as coisas focalizadas tivessem. O que importava era levar para os States um enorme número de flagrantes, reunir a família e projetar slide por slide, dando as erradas explicações:
– Isto é... isto é... como é mesmo o nome, mulher?
– Pão... de... açúcar... – soletrava com dificuldade a texana Mary, enquanto na tela aparecia, com todos os seus contornos, o Cristo Redentor.
John e Mary deram de cara com uma cobra em plena Copacabana! A enorme jibóia encontrava-se esticada tranqüilamente na calçada da Avenida Atlântica. A bruta nem se mexeu, quando o grandalhão branquelo deu um berro de pavor e Mary ensaiou um faniquito.
Mal o dia clareara, o casal resolvera sair do hotel, na orla marítima, à cata de bons flagrantes. Devia ser umas cinco horas, se tanto. O café ainda não fora servido e John e Mary já caminhavam pela calçada deserta.
– Olhe, John, uma cobra!
Os jornais, no dia seguinte, contaram como tudo acontecera, mas penso que os dois ianques jamais leram a notícia. E se o fizeram (e entenderam o que estava escrito), acho que não acreditaram.
Um circo estava à caminho da Barra da Tijuca, quando um dos carros enguiçou. Deixaram-no, noite alta, parado junto à calçada da Avenida Atlântica, à espera do mecânico, que só podia vir pela manhã. Justo o carro que transportava as cobras da dançarina exótica, apresentada como indiana, mas nascida e criada em Irajá.
O vigia, que levava uma garrafa de cachaça escondida, bebeu além da conta e adormeceu na boléia do caminhão. Ninguém soube explicar ao certo por que o cadeado da porta traseira estava aberto, assim como o que prendia a caixa das cobras. A jibóia terminara saindo do veículo e indo espairecer do lado de fora. Onde fora vista por John e Mary.
Entre diversas deduções, a polícia encontrou uma que lhe pareceu mais viável: um ladrão, vendo o vigia dormindo, abrira o cadeado traseiro do caminhão na esperança de roubar alguma coisa de valor. Depois, abrira a caixa das cobras e, ao dar com seu perigoso conteúdo, dera no pé, deixando tudo escancarado.
O fato é que John e Mary voltaram para os Estados Unidos, naquele ano de 1950, certos de que cobras realmente passeavam pelas ruas do Rio. Duvido muito, porém, que tenham levado algum slide do repelente réptil.
O medo deve ter paralisado o dedo do ianque, não deixando funcionar o disparador da sua inseparável Kodak.
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