Notas de um moleque desocupado: 22 de novembro

por Daniel Frazão
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Fazia sol e saí do banco às duas e meia da tarde. Não, não o assaltei, apenas fiz um depósito e tirei uns extratos. Não tenho cérebro para assaltos.

Eu tinha um cartão telefônico novinho. Por isso, fui dar um telefonema importante. Um telefonema para um cara ocupadíssimo. O sol continuava implacável. Eu desejava estar em casa, lendo um livro ou escrevendo qualquer coisa só por escrever, mas não se pode ter tudo, principalmente às duas e meia da tarde de um dia de semana.

O cenário era como uma aquarela conhecida e decorada. Alguns sujeitos pareciam ter tudo e desafiavam as imposições da tarde de um dia útil; ou talvez fosse o contrário, talvez não tivessem nada.

Cheguei ao orelhão, enfiei o cartão e as quarenta unidades apareceram no visor. Disquei.

– Alô?

– Ei, sou eu, Daniel.

– Daniel Frazão?

– É.

Uns trinta segundos depois, um cara se pôs atrás de mim, esperando a sua vez de telefonar. Se há uma coisa que me irrita é gente que espera sua vez quando é minha vez. Mas tudo bem, lá estava o cara a um metro e meio de minhas costas e lá estava eu. E lá estava o sol... em cima de nós dois. Pelo menos eu me protegia embaixo da... da orelha do orelhão. O cara às minhas costas pegava o sol por inteiro.

– ...

– Não entendi, fale mais alto.

Gritei, tentando sobrepujar o funk que berrava no carro de um garotão classe média alta. Alguma coisa sobre as cachorras que vão preparadas para o baile. Os melhores carros, as piores músicas. Essa é uma regra universal/regional.

O cara continuava ali, esperando o orelhão vagar. E o que você não sabe é que meu telefonema já durava meia hora.

Nunca entendi essa lógica esdrúxula do cotidiano. Tais atitudes de débil mental sempre me intrigaram. Quero dizer, por que o cara permanecia ali, de pé, esperando a vez por mais de trinta minutos, debaixo do sol abrasador, quando bastava caminhar dez metros até o próximo orelhão?? Isso é tão imbecil quanto ficar parado no meio de uma escada rolante, esperando ela voltar a funcionar depois de uma paralisação do mecanismo. Imagine só, o celular do cara da escada toca e ele diz: “Não, querida, estou preso na escada rolante; a escada parou... vou me atrasar um pouco”. Pode acreditar, essas coisas acontecem. Acontecia bem ali, naquele orelhão. Nessas horas, acho inacreditável que o Homem tenha descoberto a América e inventado a roda.

– Está certo, combinado. Escute, preciso desligar porque tem um cara aqui que quer telefonar e já estou há mais de trinta minutos falando com você.

– É mesmo? Uma vez fiquei duas horas e meia esperando minha vez no orelhão.

– Tenho certeza que ficou.

Desliguei e o cara às minhas costas soltou um suspiro de alívio. Coberto de suor da cabeça aos pés. Parecia uns vinte quilos mais magro. Eu pouco me importava.

Dei meia dúzia de passos e cheguei ao próximo orelhão. Só de curiosidade, tirei do gancho. Não é que funcionava?

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