notas de um moleque desocupado 15-11-08

sexta-feira, 14 de novembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Arte é uma coisa estranha. Extremamente aberta e vaga; maior e ao mesmo tempo menor que a vida. Não há um conceito de arte, não um conceito uno e definitivo. Mas há opiniões majoritárias a respeito do que não é arte, do que é uma versão vagabunda e deturpada de arte. Arte lida com impressões e emoções. E o medo sempre foi a mais polêmica das emoções; a feiúra, a mais polêmica das impressões. Desde o princípio dos tempos o medo atrai; e também atrai todo tipo de repreensão.

Tenho uma teoria sobre o medo e sobre qual é o valor da arte que explora o medo.

O medo é a emoção primordial, a primeira coisa que sentimos. Emoções são formadas pelo meio e pelo tempo em que vivemos. O medo é a emoção pura, sem qualquer resquício de meio e tempo.

Foi a primeira coisa que você sentiu ao nascer, sua primeira impressão do mundo e de si mesmo.

Lá está você, seguro no ninho do ventre, boiando em placenta morna cheia de nutrientes. De repente é cuspido para um mundo vasto e cheio de luz, oxigênio gelado roçando sua pele, seres humanos ao redor, segurando seu pequeno corpo pelos pés. Lá está o mundo infinito e desconhecido, visto de cabeça para baixo. Tudo é novo e aterrador. Tudo é um risco. A vida é letal. Não mais ventre fechado de espaço limitado. Não mais leito de placenta e sono eterno. A mistura inevitável do fim com o começo. Agora, a vida. Monstruosa, fascinante. Você chora e chora e chora. O medo, o horror, ao mesmo tempo o fascínio pelo mar de possibilidades. Pode ser a extinção, pode ser a dor, pode ser qualquer coisa. E mesmo com medo você mergulha de cabeça; não pode evitar, como um inseto voando de encontro à luz.

Por isso as pessoas continuarão assistindo a filmes de terror, andando de montanha-russa e entrando em quartos escuros, porque essas coisas reproduzem o instante do nascimento.

O instante do nascimento, quando você não sabia se experimentava a morte ou a vida, e qual o caráter de cada uma.

Eis por que o medo é tão fascinante e ao mesmo tempo repulsivo. Ele sempre implica em novas etapas.

O medo é a presença do risco. E o risco, seja ele qual for, tem dois pólos; um bom e um ruim. A possibilidade do bom justifica tudo o que há de ruim.

Sempre seremos atraídos pela descoberta, mesmo que a descoberta tenha formas monstruosas. Às vezes formas monstruosas escondem refinamento. Como Joseph Merrick, o Homem Elefante.

Eis o sentido do medo e da arte que explora o medo. Trazer à tona a emoção primordial do nascimento, a descoberta das descobertas, o Novo por excelência. O desconhecido. A atração pela morte é apenas uma indumentária para o fascínio pela vida.

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