Escrevendo no calor insuportável e pegajoso das tardes lentas. Com ouvidos atentos é possível ouvir o som do calor; um som áspero e causticante, como uma aranha arrastando patas no assoalho. E o sol em ebulição que ferve o céu azul.
Visões tenebrosas de claridade. Escrevo isso completamente desprovido de qualquer zelo. A mente é uma cidade pequena repleta de provincianismo. Um ovo cozido e nada mais.
Tento lembrar das coisas que imaginei nessa madrugada para passá-las ao papel. Mas não lembro de nada. Certas coisas desvanecem pela manhã. Dane-se.
Calor de merda com sua horda de insetos. Eles rasgam as horas noturnas com seus esqueletos de quitina por cima da minha cabeça. Acendo a luz e espero. Espero. Espero.
É isso. Especialmente hoje, gostaria de estar de volta a Paris. Pegarei o primeiro avião logo ao amanhecer. Falando assim, vão pensar que você é metido e se acha superior. Só porque disse que gostaria de estar em Paris especialmente hoje? É. Que seja. Para que pisar em ovos ao escrever? É, talvez tenha razão.
Pessoas em ambientes restritos se tornam cartas de baralho. Ilustrações em cartas de baralho. Presto atenção nelas, sabendo que também me torno carta de baralho.
Há aquelas que sempre atravessam a rua, de uma calçada a outra, sempre apressadas e rumando a algum lugar. Há aquelas que olham e olham e olham, ocultas por vitrines de vidro. Há aquelas que simplesmente vagam, lentas e insubstanciais, como fantasmas desesperançados a assombrar calçadas por toda a eternidade. Quem são elas? De onde vêm? Para onde vão? Onde estou nessa parada empírica?
Existe uma grande mão de vento morno que paira por sobre as cidades do mundo. No momento em que ela tomba sobre você, tudo está perdido.
E a noite. A pseudonoite de um fim de semana. Com carros e funk ressoando de todo e qualquer recanto. Com esparsas decorações de natal começando a brotar pelas esquinas.
Não mencione isso, cara. E o que eu poderia mencionar? A grandeza de uma hora silenciosa; isso poderia mencionar. Às vezes, o mundo parece ter sido criado pelo grande D. Deus? Não, Dostoievski. Ah, também não mencione isso, cara. Vai lhe fazer soar pretensioso, arrogante e metido. Sério? E se mencionasse de novo? Dostoievski Dostoievski Dostoievski Dostoievski. Como foi que soei? Pretensioso, arrogante e metido. Ah.
É isso. Cá estou. Escrevendo no calor insuportável e pegajoso das tardes lentas. Às vezes o tempo vira bruscamente, só para confundir. E sigo com meus textos meteorológicos até não sei quando. O sol continua a brilhar, o céu continua com sua passividade azul, e a rua continua em ebulição. É como se uma lupa gigantesca mirasse o calor em cima de formigas humanas, só para vê-las explodir. De nada adianta procurar sentidos.
Algumas de minhas melhores horas são patologicamente bizarras.
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