Tia Carminha
O verdadeiro herói é aquele que tem o poder de modificar a vida das pessoas. O alfabetizador é um herói anônimo no meio das grandes massas que fulgura na categoria dos verdadeiros, daqueles que modificam a vida das pessoas.
Já faz alguns anos que conheci minha 1ª heroína: Tia Carminha! Paciente, dedicada, iluminada. Na verdade, quem ensina, por si só, já se envolta naturalmente por uma luz que como foice abre caminhos, mas sem sangrar, nem cravar nenhum tipo de espinho. A minha 1ª professora, uma das minhas inspiradoras e motivadoras das crenças que cultivo. Mais do que poderia supor naqueles tempos de brincadeiras de rodas e cantigas que ainda hoje cantam no meu subconsciente.
O educador é acima de tudo um bravo! Um bravo idealista que acredita que não há outro meio de ascender um povo ao seu devido lugar que não através da educação. Ensinar é uma batalha diária cujos resultados surgem mais na perseverança do que na mágica. É um processo lento, mas que traz frutos saborosos num futuro aparentemente distante, mas que sempre vem. É a base de um homem e a moldura de seu caráter vestidos com a única roupa que realmente importa, a vestimenta da dignidade.
É aí que lembro com carinho e nostalgia daquela que me fez reparar os rabiscos e transformá-los em letras, após muito trabalho, é claro. Recordo dos desenhos que tingia de cores nada adequadas, até compreender que o sol é mesmo amarelo e que o Mickey não é azul. Rememoro aqueles tempos em que, passo a passo, descobria que cada contorno tem seu devido traço. E nesse passeio incrível pelas minhas mãos, em cada dedo posso evidenciar as muitas tias Carminhas e tantos outros bravos mestres, às vezes solitários, mas sempre acompanhados pela luz que abre caminhos.
É também nesses momentos que me preocupo com os trilhos em que o aprender e o ensinar tem tomado nas nossas escolas. Nossas escolas ensinam a matemática e o português. Dispensam grandes tempos para estas e outras matérias. Mas quanto tempo nossas escolas tem se disposto a ensinar o amor? O amor é matéria esquecida. Tão importante quanto às equações, as regras de pontuação ou as datas históricas, é o amor. O amor não é feito de tabuadas, mas de compreensão. O amor não é feito de conceitos, mas de paciência. O amor não é detalhado em mapas, mas é solidariedade. O amor não está nos estratagemas, mas sobrevive na vontade. O amor não é estatística, mas resiste na busca. Uma busca comum: a felicidade. Se nossas escolas fossem mais voltadas para o amor...
uando olho para trás e vejo aquela geração que me ensinou o português, a matemática, a geografia e a história, mas que também plantou em meu ser, ideais, amor por esses ideais e fortes esperanças nessa humanidade sempre prestes a decadência e a tolice é que penso: até que ponto essa nova geração, a minha geração corresponderá à altura a esse legado de educadores. Percebam: educadores e não apenas professores. Ser professor é uma virtude, pra não dizer uma profissão virtuosa. Ser educador é ter paixão, é ser apaixonante. É ter sim a educação dos livros, mas é educar com base no amor, é a educação do olhar e no olhar. É ver além da casca, é enxergar a alma.
Talvez eu tenha sorte de na minha jornada como estudante ter tido mais educadores do que professores. Pode ser a minha percepção. De qualquer maneira agradeço a minha querida Tia Carminha. Minha 1ª professora. Ainda posso sentir o cheiro do meu 1° material escolar. Das cantigas que embalavam meus sonhos. Da 1ª palavra que pude escrever, sabendo o que escrevia. Mas acima de tudo, recordo com saudade do carinho que recebia de um amor desprendido por uma causa maior: a de alfabetizar crianças como eu e motivá-las a amar um grande ideal. Afinal, é assim que se evidenciam os heróis, anônimos para as massas, mas fundamentais para as vidas por que passam.
Deixe o seu comentário