O criador de Flash Gordon

Mario de Moraes
sexta-feira, 03 de outubro de 2008
por Jornal A Voz da Serra
O criador de Flash Gordon
O criador de Flash Gordon

Até a década de 1930 uma revista infanto-juvenil atraía o interesse das crianças e dos jovens. Era o Tico-Tico, a primeira a publicar histórias em quadrinhos no Brasil. Sua primeira edição foi para as bancas no dia 11 de outubro de 1905. Seus ingênuos personagens eram muito populares entre a criançada e os jovens e sua tiragem variava entre 20 mil e quase 100 mil exemplares. Até intelectuais do porte de Rui Barbosa e Carlos Drummond de Andrade não se envergonhavam em confessar que eram seus assíduos leitores.

Até que o jornal A Noite (RJ) lançou um suplemento com histórias em quadrinhos, a maior parte vinda dos Estados Unidos, tendo como personagens atraentes heróis que, em pouco tempo, tomaram conta do mercado de HQ. Um empresário, Adolfo Aizen, vendo o sucesso do suplemento, conseguiu retirá-lo daquele diário e passou a editá-lo separadamente. O sucesso foi instantâneo, com a substituição de Chiquinho e Felismina por Flash Gordon, Jim das Selvas, Agente X-9, Príncipe Valente, Tarzan, Dick Tracy e vários outros.

Esses heróis, a maioria criados nos Estados Unidos, foram publicados no Brasil pelo Suplemento Juvenil, causaram o desaparecimento do Tico-Tico e tomaram conta do mercado de HQ.

Os syndicates norte-americanos guerreavam uns com os outros, procurando contratar os desenhistas mais criativos, autores de atraentes histórias em quadrinhos. O King Features Syndicate, que até então parecia alheio a essa corrida, realmente estava se preparando para entrar pesado no comércio das histórias em quadrinhos. Em janeiro de 1934, em poucas semanas, lançou três tiras para fazer frente aos seus maiores concorrentes. Foram elas Jungle Jim, Secret Agent X-9 e Flash Gordon, no Brasil, as duas primeiras traduzidas para Jim das Selvas e Agente X-9. Flash Gordon foi o único que manteve seu nome em todos os veículos que publicaram suas tiras. O fato surpreendente é que as três histórias eram criação de um só e fabuloso desenhista: Alex Raymond.

Até o lançamento daquelas que seriam famosas histórias em quadrinhos em quase todo o mundo, Alex Raymond era um desconhecido desenhista. Encorajado pelo pai, ainda menino já demonstrava ser um artista. Aos 18 anos ingressou na Escola de Desenho Grand Central, nos Estados Unidos. Revelando-se desde logo ser um excelente desenhista, foi trabalhar como assistente de Russ Westover, criador da tira Tillie, The Toller. Não demorou muito e seu talento foi descoberto pelo famoso Chic Young e seu irmão Lyman, criadores da série Tim Tyler’s Luck, criando tiras de HQ diárias e páginas dominicais.

Foi nessa época que o King Features Syndicate lançou um concurso para descobrir desenhistas de HQ. Alex Raymond apresentou-lhes algumas tiras de Flash Gordon e Jim das Selvas. Foi contratado na hora, recebendo mais uma incumbência: desenhar as tiras do Agente X-9, cujas aventuras eram escritas por Dashiell Hammett, um famoso romancista. Foi um período de intenso trabalho para Alex Raymond, que, além de desenhar as tiras de seus três heróis, ainda precisava preparar uma página de HQ aos domingos. O Agente X-9 concorria com as tiras de Dick Tracy e Jim das Selvas enfrentava o Tarzan do esplêndido Hall Foster.

O sucesso mundial, no entanto, foi resultado das tiras de Flash Gordon, o herói interplanetário. Elas apresentavam as incríveis aventuras de Flash Gordon, sua namorada Dale e o professor Zarkov no planeta Mongo, enfrentando o cruel imperador Ming. As aventuras de Flash Gordon nada tinham de ficção científica, tudo fruto da fabulosa imaginação de Alex Raymond. Mas muitos dos artefatos que ele criou, por coincidência, tornaram-se realidade alguns anos depois. Flash Gordon foi, inclusive, transformado numa série de episódios para o cinema.

Embora o enredo das histórias de Flash Gordon nem sempre fossem muito atraentes, isso era compensado pelo fabuloso traço de Alex Raymond. Algum tempo depois, esgotado, ele resolveu desenhar apenas as histórias do viajante do espaço, deixando de produzir as tiras do Agente X-9 e do Jim das Selvas, que foram entregues a outros desenhistas.

Os autores das HQs já pressentiam que a Segunda Guerra Mundial estava próxima, lançando tiras que apresentavam uma posição beligerante, com enredos de combates, histórias de espiões etc. Apesar das loucuras de Hitler, os Estados Unidos defendiam uma impossível neutralidade. Até que aconteceu o covarde ataque de Pearl Harbor pelos japoneses. Aí não havia mais saída e os norte-americanos entraram na guerra ao lado das forças aliadas.

Boa parte das histórias em quadrinhos passaram a ter como tema a Segunda Guerra Mundial, deflagrada pelo alucinado homem do ridículo bigodinho. Muitos desenhistas de HQ abandonaram as pranchetas e ingressaram nas forças armadas de seus países. Alex Raymond foi um deles. Com a patente de capitão e a bordo do porta-aviões USS Gilbert Islands, ele testemunhou as batalhas de Okinawa e Bornéu.

Ao término do conflito, Alex Raymond voltou a produzir suas histórias, criando um novo personagem: Rip Kirby. Este era um oficial de Marinha que acabou se transformando num detetive particular. Através de Rip Kirby, Alex Raymond demonstrou que olhava o mundo de forma diversa dos seus primeiros tempos como desenhista de HQ, procurando apresentar o crime, por vezes, como proveniente de um sistema econômico injusto e excludente. E que não raramente a criminalidade era oriunda das classes mais abastadas. As histórias de Rip Kirby melhoraram ainda mais quando Alex Raymond trouxe para sua equipe Fredd Dickinson, ex-repórter policial. Os roteiros adquiriram mais ritmo e realismo.

Alex Raymond, com um traço cada vez mais apurado, que fora ilustrador de revistas famosas, chegou a declarar: “Estou sinceramente convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma. Reflete sua época e a vida em geral com maior realismo e, graças a sua natureza essencialmente criativa, é artisticamente mais válida do que a mera ilustração. O ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos; o artista dos quadrinhos começa com uma folha de papel em branco e inventa sozinho uma história – é escritor, diretor de cinema, editor e desenhista ao mesmo tempo”.

No auge do sucesso, Alex Raymond, nascido no dia 2 de outubro de 1909, em New Rochelle, Nova York, faleceu tragicamente no dia 6 de setembro de 1956, 26 dias antes de completar 47 anos de idade. Ele foi vítima de um desastre de automóvel enquanto experimentava dirigir um veículo do também colunista Stan Drake.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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