Letra Livre: O mico literário de Juliana Paes

por Sérgio Bernardo
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Não foi à toa que a jornalista e escritora Cora Rónai organizou e publicou pela editora Agir, em 2005, o livro Caiu na Rede, com subtítulo compriiiiiiiido toda a vida: Os textos falsos da internet que se tornaram clássicos de Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, Arnaldo Jabor, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, Jorge Luis Borges, Carlos Drummond de Andrade, Gabriel García Márquez e muitos outros. Ufa!

Digo que não foi à toa porque a prática de espalhar, via e-mail, com uma velocidade digna da gripe espanhola, textos atribuídos a autores famosos já era uma praga há três anos. E, pelo jeito, continua sendo.

O mico literário da vez foi protagonizado pela belle de jour global Juliana Paes, recém-assassinada na novela das 9 para poder se casar e, dizem, estrelar a próxima trama do mesmo horário, em que viverá uma indiana. Até aí tudo bem: Juliana Paes pode ser morta sem mais nem menos na novela, pode se casar como qualquer mortal e ganhar o papel de uma mulher natural da Índia, com a qual até que se parece muito. O que pegou mal foi ter usado um falso texto “ao invés da tradicional promessa dos noivos antes de trocarem as alianças” (conforme O Dia on-line) na cerimônia de casamento.

Quem pegou o símio virtual pelo rabo foi – claro! – a poeta Maria Lua, verdadeira especialista na obra do gaúcho Mario Quintana. Ela pede atenção em três detalhes: 1) o texto não se trata de poema; 2) não é do autor que o assina, conforme suas Obras Completas, publicadas em 2006; e 3) o texto inicia com a afirmação de ter sido escrito em 98, quando o poeta de Alegrete estava morto há quatro anos (5 de maio de 1994). Eu acrescentaria uma observação número 4, Maria Lua: Mario Quintana, profundo conhecedor da língua, não cometeria os deslizes gramaticais presentes nessa tal Promessa Matrimonial. Vamos à íntegra do texto:

“Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre: ‘Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe [sic] e respeitando-lhe [sic] até que a morte os separe?’. Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões: Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade? Promete saber ser amiga(o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe [sic] transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica? Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar? Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela? Promete se deixar conhecer? Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor? Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda? Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros? Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina? Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja? Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros.” Autor (quem disse?): Mario Quintana.

Pois esse texto está lá, na página 55 de Caiu na rede, com título no plural, sem os errinhos grosseiros de português e com a autoria desvendada: Martha Medeiros – aliás, uma das campeãs em ter seus textos assinados por nomes que os adulteradores de plantão julgam mais ilustres e, portanto, mais dignos de serem repassados aos contatos da internet.

No mínimo, pela polvorosa que o seu casamento – com certeza o casamento do mês – iria causar na mídia, a moreníssima Juliana Paes deveria ter averiguado a real autoria do texto que tomou emprestado tentando ser original ou cult na igreja, momentos antes do tão esperado sim.

E também para a gente não ter de concluir o caso com o velho chavão de que cultura não é o forte de boa parte dos VIPs da tevê.

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