Eles são... Wanderley, Paulo Victor, Lucas, Japa, Otávio...
Meninos na faixa etária de 13 aos 16 anos, cujos nomes relacionados dessa forma podem parecer a escalação de uma equipe de qualquer modalidade esportiva. Mas engana-se quem esteja pensando que eles se limitam a praticar um simples esporte.
Eles são o que, na linguagem própria dos praticantes, se chama traceurs ou traceuses (para mulheres) e a praia deles tem todos os tipos de obstáculos: muros, postes, árvores, grades e alambrados, empenas (paredões) de prédios... numa atividade que nem requer locais específicos e especiais para ser praticada. Quaisquer logradouros urbanos e rurais propiciam pistas livres para a modalidade. Enfim, tudo que seja desafio a transpor. Eles praticam, na verdade, o Parkour, que não é um esporte propriamente, e chega a ser até considerado uma atividade física difícil de se categorizar.
Em Nova Fribugo alguns grupos vêm se reunindo regularmente para a prática da atividade. Seja na rua, em praças e estacionamentos. Não importa. É preciso ter desafios e obstáculos a transpor. Numa manhã dessas de sábado, A VOZ DA SERRA foi conferir de perto o que essa garotada vem aprontando.
NA TRANQÜILIDADE DO CÔNEGO
Na Praça de Sant’Anna, bem ali em meio à tranqüilidade e a beleza do bairro do Cônego, seus saltos, pulos e acrobacias transformaram a rotina de uma manhã fria de inverno, em que o sol vem forçando a passagem para mais um dia. Assim como os traceurs friburguenses igualmente vêm transpondo os limites sem maiores dificuldades.
Tudo começou há pouco mais de dois anos. O jovem Paulo Victor Sargento de Castro, 14 anos, conta que viu junto com os primos uma reportagem sobre o tema no programa Fantástico: “Como não tínhamos nenhum esporte que nos interessasse, achamos diferente e começamos a praticar”. Ele diz, entretanto, que com o tempo distanciou-se dos primos, que tomaram um caminho diferente, em termos de modalidade do Parkour.
EQUIPE TEM DUBLÊS ATUANDO NO RIO
No entanto, daquela época inicial ficou a semente. Surgiu a equipe Nitro – cujo nome origina-se literalmente de nitroglicerina – e dela se derivaram ainda outros grupos. Hoje, além da pioneira equipe, outra das mais importantes na cidade é a Fri Stile.
Além de Paulo Victor, entretanto, Wanderley Nasário de Oliveira, 16, e Lucas Muniz Lopes, 15, integram um grupo de um total de oito rapazes – todos alunos da turma 1000, 1º ano do ensino médio do Colégio Nossa Senhora das Graças (Olaria) – mas não participam de nenhuma equipe. Eles contam que a Nitro, por exemplo, vem participando de vários eventos no Rio e, inclusive, alguns de seus traceurs já atuaram até como dublês em comerciais para a TV.
DESMISTIFICANDO IMAGENS
Explicando, por exemplo, termos como flip e suas diversas variações (wall, back, front e vault) que designam nomes de saltos, eles se apressam, entretanto, em desfazer a imagem da atividade como algo ligado ao vandalismo. “Infelizmente, a maioria ainda nos olha com preconceito, mas não sujamos nem pichamos nada. Sempre mantemos o local em que atuamos limpo e organizado”, defende-se Paulo Victor.
“Geralmente, somos a ovelha negra. Na escola mesmo, todo mundo pode estar fazendo algo, mas sou sempre chamado a atenção”, queixa-se, procurando desmistificar ainda uma outra premissa, a de que a atividade é extremamente perigosa. “Como toda prática esportiva, o Parkour tem seus riscos, mas estamos sempre nos cuidando da preparação. Nosso aquecimento sempre é feito com cuidado para evitar maiores problemas”, garante.
Mesmo assim, eles admitem que já correram risco: “Foi uma única vez, em mais de dois anos, que um de nós caiu de cabeça e quase se machucou sério”.
A História do Parkour: da França ao Brasil
Por vezes abreviado como PK, Parkour (ou l’art du déplacement – em português, arte do deslocamento) é uma atividade com o princípio de se mover de um ponto para outro da maneira mais rápida e eficiente possível, usando principalmente as habilidades do corpo humano. Criado para ajudar a superar obstáculos, que podem ser desde um ramo de árvores e pedras até grades e paredes de concreto, pode ser praticado em áreas rurais e urbanas.
Fundado por David Belle, na França, o Parkour foca a prática de movimentos desenvolvidos para superar obstáculos, mas também pode ser uma forma de entretenimento ou passatempo. Atividade física difícil de categorizar, não é um esporte radical, mas uma arte ou disciplina que assemelha-se a autodefesa nas artes marciais. “Como as artes marciais são uma forma de treinamento para a luta, Parkour é uma forma de treinamento para a fuga”, ensina Belle.
No Brasil, o Parkour teve início no começo de 2004. Jovens de São Paulo e Brasília começaram a se aventurar na prática. Em São Paulo, traceurs conhecidos começavam a imitar os vídeos de David Belle vistos na internet. Em Brasília, outros traceurs também se iniciavam na prática. Nesta época, surgiram blogs e websites sobre o Parkour, mas a prática se intensificou somente após a criação da Associação Brasileira de Parkour (ABPK). Ambas as cidades começavam, no mesmo período, a prática do que então parecia um esporte radical.
Em julho daquele mesmo ano, com o Orkut no início de sua estrondosa popularidade, a primeira comunidade brasileira de Parkour era criada, com o nome de Le Parkour Brasil. Deste então, se tornou o ponto de encontro entre os entusiastas dessa prática no país. No fim de julho de 2004, contava com sete membros e, atualmente, supera os 32 mil.
Devido às suas características e aparente radicalidade, o Parkour causou certa polêmica e seus praticantes eram freqüentemente confundidos com vândalos. Os traceurs são, em determinadas ocasiões, abordados por policiais e seguranças, incomodados com a prática, que tem a tendência a desafiar o espaço e seus obstáculos.
Em razão da dificuldade em categorizá-la, os praticantes já se acostumaram a colocar em sua própria categoria: “Parkour é Parkour”.
O Criador
David Belle nasceu na Normandia, França. Oriundo de uma família simples dos subúrbios de Paris, seu pai, Raymond Belle, era antigo soldado vietnamita, que dedicou-se a uma vida saudável e desportiva. Conhecido e respeitado pelos seus métodos de deslocação em ambientes extremos, seguiu ensinamentos do francês Georges Hébert, segundo o qual o atleta interage com o ambiente natural, treinando o seu físico, com um percurso de deslocação por obstáculos.
David sempre foi uma pessoa simples, acreditando no desporto para a vida diária. Procurava o que era útil. Aprendeu com o pai desde cedo a saber algumas técnicas/treinos militares que pôs em prática desde muito novo com os amigos (Yahn, Frederic Hnautra, David Malgogne, Sébastien Foucan e Kazuma). Essas brincadeiras deram origem ao nome da prática, Parkour.
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